Nota de esclarecimento
Considerando a repercussão da iniciativa que culminou com a assinatura de Termo de Cooperação tendente a disponibilizar a utilização do método contraceptivo SIU-LNG (Sistema Intrauterino Liberador de Levonorgestrel) às adolescentes em situação de acolhimento institucional no Município de Porto Alegre, o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul faz os seguintes esclarecimentos:
A Promotoria de Justiça da Infância e Juventude de Porto Alegre instaurou Procedimento Administrativo para acompanhar a execução da política de saúde da mulher dentro do acolhimento institucional desta Capital, em razão de representação solicitando auxílio na atenção à saúde das adolescentes acolhidas nas instituições, porquanto comum a evasão das casas, com a interrupção do método contraceptivo oral ou injetável, colocando-as em risco de gravidez, tanto assim que algumas adolescentes retornaram grávidas aos espaços de proteção.
Realizada reunião com a Secretaria Municipal da Saúde, a Promotoria de Justiça da Infância e Juventude – Articulação e Proteção de Porto Alegre tomou conhecimento da existência de política de atendimento de saúde à mulher consistente na disponibilização de métodos contraceptivos reversíveis de longa duração (LARCs), os quais são os mais seguros e eficazes, com duração de cinco anos, conforme especialistas consultados, sendo apropriados para adolescentes vulneráveis com vida sexual ativa, independentemente de já terem gestado ou não.
A Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre vem fornecendo SIU-LNG à população vulnerável, inicialmente em favor das mulheres portadoras de HIV, porém em quantidades extremamente limitadas (Programação Anual de Saúde – PAS 2018), circunstância que não permite contemplar, a curto e médio prazo, as adolescentes do acolhimento institucional.
Assim, realizado pelo Ministério Público levantamento acerca da potencial demanda das adolescentes do acolhimento institucional da Capital com vida sexual ativa, foi posteriormente contatada a empresa fornecedora de LARCs ao Município de Porto Alegre e restou firmado Termo de Cooperação tendente a dar seguimento à política de saúde aprovada pelo Conselho Municipal da Saúde em 2016 (Ata n.º 007/2016), inicialmente destinada apenas para gestantes HIV, buscando disponibilizar o SIU-LNG a todas as adolescentes do acolhimento eventualmente interessadas, sem qualquer transferência de recursos financeiros entre os envolvidos.
Uma vez prestadas orientações às adolescentes acolhidas e seus responsáveis legais a respeito da prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e de todos os métodos contraceptivos disponíveis, aquelas que eventualmente manifestarem interesse na utilização do SIU-LNG, mediante voluntária declaração de interesse firmada por elas e seus respectivos guardiões, terão os nomes encaminhados pelas Instituições de Acolhimento ao Ministério Público, que se limitará a enviar as eventuais manifestações de interesse à Secretaria Municipal da Saúde, a qual, por sua vez, regulará a consulta médica das adolescentes para avaliação no Hospital Materno Infantil Presidente Vargas ou no Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
Nas mencionadas unidades hospitalares de referência, as adolescentes terão consulta individualizada e, havendo prescrição médica específica e a ratificação da voluntária declaração de vontade inicialmente manifestada, terão disponibilizado o procedimento, de forma absolutamente privada, na presença do médico responsável, com reconsulta em 45 dias e possibilidade de retirada do SIU-LNG a qualquer tempo nas unidades de atendimento de saúde da Capital. É de registrar que os dados das adolescentes são confidenciais e de acesso restrito aos profissionais da saúde dos hospitais parceiros na iniciativa, não se prestando a quaisquer pesquisas ou coleta de dados.
Cabe ressaltar que a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS – CONITEC, examinando a conveniência da oferta do SIU-LNG pelo Sistema Único de Saúde, conforme consta em seu Relatório de Recomendação n.º 207, de abril de 2016, culminou por concluir, em sua 42ª Reunião Ordinária, “que as evidências científicas apresentadas não foram suficientes para comprovar a superioridade da tecnologia proposta comparada às tecnologias disponibilizadas no SUS” (DIU de cobre, método intrauterino já incorporado), bem como, ainda, que “a incorporação do SIU-LNG geraria um impacto orçamentário de aproximadamente R$ 42 milhões em cinco anos sem que algum benefício clínico tenha sido demonstrado”. Nada obstante, no referido Relatório, a CONITEC reconheceu que “de acordo com as evidências apresentadas pelo demandante (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia), o SIU-LNG demonstra tendência de superioridade em relação aos métodos comparados, para eficácia, efetividade, segurança e satisfação das participantes”, considerando, porém, “que não se pode afirmar que tais diferenças são significativas”. O referido Relatório de Recomendação não faz qualquer ressalva técnico-científica contrária à utilização do método contraceptivo LIU-LNG em mulheres de 15 a 19 anos de idade, de modo que as respectivas contraindicações, passíveis de apreciação pela interessada e pelo profissional médico responsável, são aquelas comuns às demais faixas etárias.
Sobre a iniciativa, sublinha-se que o professor José Geraldo Lopes Ramos, MD, PhD, professor titular do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 03/08/2018, emitiu nota de apoio às docentes da UFRGS engajadas no projeto de atendimento das adolescentes vulneráveis perfectibilizado pelo Termo de Cooperação, destacando que “o projeto de inserção de DIUs de lovonorgestrel em adolescentes apresenta alta relevância social para prevenção de gestação indesejada em adolescentes vulneráveis” e, ainda, que o referido método contraceptivo é “um DIU de alta eficácia e poucos efeitos adversos e somente não é utilizado pelo SUS por uma questão de custos, inclusive apresentando melhores resultados e menores efeitos adversos exatamente em adolescentes”.
No mesmo sentido, cabe registrar que a Comissão Especial da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB-RS, examinando formal provocação acerca da implementação do Termo de Cooperação, concluiu que do ponto de vista estritamente jurídico-legal, no tocante ao Direito da Criança e do Adolescente regido pelo art. 227 da CF e pela Lei n.º 8069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente, a iniciativa de disponibilizar o SIU-LNG às adolescentes acolhidas está em sintonia com as atribuições do Ministério Público de zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados às crianças e adolescentes, não vislumbrando qualquer violação a direitos. Referida Comissão Especial da OAB/RS inclusive saudou a atuação do Ministério Público, na pessoa da Promotora de Justiça Cinara Viana Dutra Braga, “pela sua preocupação, cuidado e articulação para disponibilizar gratuitamente também às adolescentes acolhidas sexualmente ativas a possibilidade ampliada de uso de um contraceptivo de alta qualidade não disponibilizado pelo SUS em função do alto custo, atendendo uma política de planejamento familiar inserida no direito à saúde que a adolescente faz jus”.
Outras Instituições legitimadas também foram informadas pelo Ministério Público acerca dos termos de implementação da iniciativa.
Em suma, o Termo de Cooperação oportunizará às adolescentes interessadas a escolha livre e informada, respeitados critérios clínicos, e o acesso a um método contraceptivo seguro e eficaz, que, por seu alto custo, ainda tem o seu fornecimento restrito pela rede pública de saúde, concretizando o direito à saúde e ao planejamento familiar das adolescentes do acolhimento institucional de Porto Alegre e consagrando os princípios da primazia de atendimento e da proteção integral.
Ao Ministério Público é conferida a atribuição de realizar a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Para cumprimento de tal missão constitucional, a Instituição sempre procura primar sua atuação pela proatividade, parceria, agilidade, transparência, acessibilidade e, sobretudo, efetividade, jamais almejando substituir os órgãos competentes para deliberação e gestão acerca das políticas públicas.