Re-vitimização e suas conseqüências
A “romaria” de entrevistas que a vítima ou testemunha é submetida acaba, muitas vezes, não só danificando as únicas evidências do caso, mas também acarretando a chamada “re-vitimização”. É uma conseqüência do que pode acontecer devido a necessidade repetida de ter que recordar um evento traumático. E nesta sucessão de depoimentos às vezes, por carência de treinamento adequado dos profissionais, inadvertidamente são empregadas técnicas sugestivas que podem levar uma criança a distorcer sua memória para o que realmente aconteceu. Neste caso, a criança não está mentindo nem fantasiando. O que ocorre nestas situações é que um abuso sexual passa a fazer parte das memórias desta criança, mesmo que não tenha realmente ocorrido, fazendo dela “uma vítima de suas próprias lembranças”.
A explicação sobre os efeitos da “re-vitimização” é da professora e doutora Lilian Milnitsky Stein, do Programa de Pós-Graduação em Psicologia e Pró-Reitoria de Extensão Universitária da PUCRS e coordenadora do Grupo de Pesquisa em Processos Cognitivos, que colabora na organização do curso de “Técnica de Coleta de Testemunho Adulto e Infantil” promovido pelo Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional do Ministério Público (CEAF), Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude e Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Lilian Stein diz, ainda, que a “produção de falsas memórias” (eventos que nunca aconteceram) como evidência de um delito pode levar a condenação de um inocente. Por essa razão, a técnica de entrevista forense utilizada pelos profissionais “tem um papel crucial na obtenção de informações relevantes e precisas de crianças ou adultos”.
A tarefa de entrevistar vítimas é desafiadora e necessita de técnicas e estratégias competentes. Por isso, o curso a ser ministrado de 9 a 13 deste mês no auditório do Palácio do Ministério Público é pioneiro na América Latina. Dirigido aos membros e servidores do Ministério Público e outras instituições envolvidas com o tema, o curso contará, também, com a presença da professora escocesa Amina Memon – PhD pela University of Aberdeen, England, expert em Psicologia Forense e Psicologia da Testemunha. O primeiro grupo, focado, principalmente, para Psicólogos, Psiquiatras e Assistentes Sociais, está fechado. O propósito é criar um grupo de referência no País que possa, posteriormente, multiplicar tal formação para novos grupos, inclusive em outras instituições ligadas ao contexto judicial.