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A pedido do MP Justiça interdita Instituição Perpétuo Socorro em Cachoeira do Sul

A pedido do MP Justiça interdita Instituição Perpétuo Socorro em Cachoeira do Sul

marco

A pedido do Ministério Público, a Justiça de Cachoeira do Sul concedeu liminar em ação civil pública, nesta segunda-feira, 1º, determinando a interdição da Instituição Perpétuo Socorro e o afastamento imediato das dirigentes Nara Solete Alves Rezende e sua filha Liziane Rezende da Silva, administrativa, financeira e fisicamente, revogando a curatela dos incapazes sob as suas responsabilidade. A ACP foi ajuizada pela Promotora de Justiça Maristela Schneider contra a Casa de Repouso, as dirigentes e o Município de Cachoeira do Sul.

A liminar determina, ainda, que o Município assuma de imediato a direção e o controle da instituição, indicando um interventor para que a administre e proceda a entrega imediata dos institucionalizados aos municípios de origem. Esses municípios deverão buscar seus pacientes sob pena de sofrerem medidas administrativas e judiciais por parte tanto do MP quanto da Procuradoria-Geral do Município de Cachoeira do Sul, que ficará responsável apenas pelos internos cachoeirenses.

O Município de Cachoeira do Sul ainda deverá assumir a responsabilidade pelos residentes que não puderem retornar de imediato à família. Para tanto, deverá ser determinado que o Município, durante o prazo que perdurar a intervenção e o esvaziamento da instituição, se responsabilize pelo custeio das despesas dos residentes com alimentação, medicação e demais gastos necessários para o funcionamento da casa asilar (água, energia elétrica, gás, etc.), com fixação de multa diária de R$ 5 mil em caso de não cumprimento.

As dirigentes Nara e Liziane não poderão manter qualquer contato e aproximação com os residentes nem promover qualquer ato que prejudique o andamento das medidas deferidas nesta ação, sob pena de multa diária de R$ 2 mil em caso de não cumprimento.

TRATAMENTO

Conforme a Promotora Maristela Schneider, tendo em vista que foram apontados riscos no local pela Vigilância Sanitária Municipal e Estadual e diante da impossibilidade de retirada ou realocação imediata dos residentes, devido ao grande número de institucionalizados, o Município terá que adotar todas as medidas indispensáveis para garantir a segurança dos residentes que ali permanecerem e tão logo possível proceda à realocação em local adequado.

“Nos últimos meses, ficou evidenciado que, não só falta de estrutura acomete a instituição, mas o tratamento dado aos residentes é grave, desumano e cruel, estando tais pessoas em constante risco, violação de seus direitos mais básicos, em total situação de abandono e desumanidade. E o olhar do Ministério Público sobre a situação é reforçado pela convicção técnica dos demais órgãos de fiscalização, em especial Vigilância Sanitária e Área Técnica da Saúde Mental e da Saúde do Idoso, Coren e Conselho Regional de Assistência Social”, destaca a Promotora.

O Município terá um prazo de 30 dias para apresentar cronograma de desinstitucionalização dos residentes que permaneceram na instituição. Após, deve informar caso ainda se faça necessária a utilização das dependências da instituição Perpétuo Socorro, prazo e local para serem realocados os institucionalizados remanescentes, sob a responsabilidade do Município, que deverá, ainda, fazer uma avaliação médica de todos os residentes e adotar as medidas necessárias para salvaguardar a saúde de todos.

A liminar determinou, também, o bloqueio dos cartões e do saque dos benefícios previdenciários e assistenciais dos residentes, devendo ser oficiado ao INSS para que proceda à transferência dos valores existentes e dos futuros depósitos para conta judicial vinculada ao processo, de modo a se permitir expedição de alvará em favor do Município de Cachoeira do Sul, limitado ao percentual de 70% de cada benefício, nos termos do Estatuto do Idoso, para auxiliar no custeio dos residentes, mediante prestação de contas. O restante do percentual de 30% de cada benefício/aposentadoria deverá ser mantido depositado e liberado somente para gastos pessoais de cada residente, também mediante prestação de contas.

A Justiça ainda autorizou a busca e apreensão de toda a documentação pessoal e médica e pertences dos residentes, como documentos pessoais, cartão de benefício, exames, receituário médico, apontamentos que indiquem a medicação a ser ministrada para cada residente, bem como toda a medicação existente no local que é destinada e utilizada nos usuários, ainda que a documentação esteja dentro das dependências da residência das dirigentes Nara Solete Alvez Rezende e Liziane Rezende da Silva.

CASAS DE ACOLHIMENTO DE CACHOEIRA DO SUL

Conforme último levantamento realizado pelo Ministério Público, realizado em agosto de 2015, existem em Cachoeira do Sul 22 casas asilares, que acolhem em torno de 678 pessoas entre idosos e pessoas portadoras de sofrimento físico e psíquico, advindas de todas as regiões do Estado (em torno de 60 municípios). Muitas dessas pessoas são egressas do Hospital Psiquiátrico São Pedro, do Instituto Psiquiátrico Forense e do Instituto Neytha Ramos de Porto Alegre, bem como foram encaminhadas pelas próprias Secretarias de Saúde e Assistência Social dos municípios de origem, restando, a grande maioria, abandonadas há vários anos.

INQUÉRITO CIVIL

Diante do contexto extremo que Cachoeira do Sul vive, tendo se tornado verdadeiro “depósito de gente”, foi instaurado no MP inquérito civil em 2013 para apurar a omissão do Município e a efetividade de política pública de proteção ao portador de sofrimento mental e na construção de rede de proteção do idoso.

Como forma de evitar o aumento de pessoas asiladas, foi editado em 2013 Decreto Municipal, resultado de Termo de Ajustamento de Conduta firmado nos autos do IC, entre o Município e o Ministério Público, o qual veda o asilamento privado de pacientes com sofrimento físico e psíquico, com idade inferior a 60 anos, o que inclui o encaminhamento de novos pacientes para as casas já existentes, bem como veda a abertura de novas casas de longa permanência das pessoas com as características mencionadas (pessoas com deficiência física/intelectual e com transtorno mental menores de 60 anos), sob pena de multa.

A situação caótica vivenciada por tais indivíduos institucionalizados, muitos em regime de segregação desumana, ensejou também a criação de um Grupo de Trabalho em Cachoeira do Sul com a participação de diversos órgãos, dentre os quais o MP, com o objetivo de planejar ações conjuntas entre os entes federativos para a regularização das instituições e desinstitucionalização.

A Promotora Maristela Schneider, em conjunto com o Município de Cachoeira do Sul e a 8ª Coordenadoria Regional de Saúde, passou a contatar os municípios de origem e familiares para proceder à desinstitucionalização dos acolhidos em Cachoeira do Sul e promover o incentivo da criação de política pública para cada município de origem receber os seus munícipes que estão nessa cidade, assumindo a responsabilidade pelo seu portador de sofrimento psíquico.

INSTITUIÇÃO PERPÉTUO SOCORRO

Conforme inspeção da Vigilância Sanitária, a Instituição Perpétuo Socorro conta, atualmente, com 87 residentes, 54 deles menores de 60 anos e 33 idosos, todos no mesmo ambiente, misturados. Não possui responsável técnico, o que é requisito obrigatório para funcionamento; os cuidadores não possuem capacitação para exercerem a atividade, não foram apresentados documentos que comprovem vínculo formal dos funcionários com a empresa, e o número de cuidadores é insuficiente para o total de moradores, sendo que, no período noturno, há apenas dois funcionários para cuidar de todos os residentes.

A instituição é formada por corredores estreitos com iluminação insuficiente, com desníveis, sem sinalização de rotas de saída e iluminação de emergência. Na inspeção, foi identificados extintores de incêndio com prazo vencido, instalações elétricas em desacordo com as normas técnicas, inexistência de alvará de prevenção e proteção contra incêndio, significando alto risco para os residentes em caso de sinistro.

Além disso, foram apuradas graves condições de higiene, como cadeiras de banho em péssimo estado de conservação, forte odor de urina e fezes em alguns ambientes, inexistência de papel higiênico, sabão ou toalha nos banheiros. “Foram localizados apenas oito escovas de dentes para 87 residentes, as quais estavam na sala da enfermagem, o que demonstra que não são utilizadas com frequência”, conta a Promotora, “pois não acessíveis aos usuários, bem como não foram encontrados cremes dentais, xampus e sabonetes”

Também a maioria do vestuário é de uso coletivo, inclusive as roupas íntimas, não havendo identificação individual. Os colchões, os travesseiros e as roupas de cama estão em péssimas condições de uso, sendo que os colchões não são revestidos com material lavável e impermeável.

Não foram identificadas receitas médicas nem prontuários atualizados dos residentes, localizados vários medicamentos sem prescrição, não há identificação ou registro de restrições alimentares para moradores hipertensos e diabéticos.

Foi constatada, ainda, alimentação insuficiente, além de não haver água acessível para os residentes, o que se mostra preocupante principalmente nos casos de idosos que têm maior tendência à desidratação e a dificuldades de alguns residentes manifestarem sua vontade, em face de suas limitações.

Foi encontrado também grande número de alimentos vencidos, deteriorados e em estado de putrefação.

A Promotora relata, na inicial, que alguns internos que foram devolvidos aos seus municípios, advindos da instituição Perpétuo Socorro, estavam infestados de vermes e piolhos, alguns com doença venérea como sífilis, problemas odontológicos e alguns com situações ainda mais graves, como tumores não tratados e infestados de vermes.

“Somado ao fato de total e absoluta falta de estrutura física, de segurança e salubridade da instituição, o tratamento ofertado aos residentes pelos seus dirigentes e funcionários é desumano, degradante e criminoso, em que a prática de ato de violência, conivência com atos de abusos sexuais praticados entre os internos, maus-tratos, coação, negligência médica, administração ilegal de medicação, com sedação através de injeção, inclusive, falta de alimentação, desrespeito à individualidade e falta de condições mínimas de higiene no ambiente em que vivem são o cotidiano da casa asilar, configurando verdadeiro cenário de horror, que impede a manutenção da instituição em funcionamento”, sublinha a Promotora Maristela.

De acordo com ela, os problemas graves que a instituição apresenta não são apenas estruturais, de falta de higiene e segurança. “Estes até poderiam ser solucionados com investimentos, no entanto, jamais ocorrerão, visto que não há disposição por parte das dirigentes”, conclui.

ACP

Ao final do trâmite da ação civil pública, o MP pede que o Município de Cachoeira do Sul seja condenado a criar instituição adequada para atender a população de cachoeirenses que não puder ser desinstitucionalizada.



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