Seminário de combate à tortura reforça necessidade de ações integradas entre instituições
Segundo a Ouvidoria da Secretaria de Segurança Pública, de 2012 até agora, há apenas 10 casos de tortura que se tornaram objeto de boletim de ocorrência. Desses, cinco são relacionados ao policiamento ostensivo da Brigada Militar, dois teriam ocorrido dentro do Presídio Central, dois praticados por agentes da Susepe, e um por um integrante do Exército. No entanto, em casos de tortura, há uma subnotificação. “Há um pacto de silêncio entre torturadores, torturados e quem deveria ser a primeira instância a investigar”, revelou a representante do Comitê Estadual de Combate à Tortura, Tatiana Lenskij. A análise se deu durante o encerramento do seminário ‘Protegendo os Brasileiros Contra a Tortura’, que ocorreu na sede do MP entre segunda e terça-feira, 1º e 2 deste mês.
Nos últimos 13 anos, 1.589 presos morreram dentro de presídios gaúchos. Os motivos vão desde a guerra entre facções até a falta de atendimento médico. Os dados são da Promotoria de Justiça de Controle e Execução Criminal. “Os presídios se transformam em um local em que saciamos nossa sede de vingança; para evitar isso, precisamos de instrumentos muito maiores de controle”, afirmou o Promotor de Justiça Gilmar Bortolotto. “A cultura dos presídios é de que o que ocorre lá dentro, lá fica”, ponderou o Promotor. Para ele, é preciso mudar a forma de correição das corporações e órgão que lidam com os presos. “Recebemos em criminalidade o que oferecemos em barbárie”, analisou. “Nossa tarefa é discutir nas instituições o que fazer para modificar o cenário”, concluiu Gilmar Bortolotto.
CRIME
Por sua vez, a Promotora de Justiça de Controle e Execução Criminal e integrante do Comitê de Combate à Tortura, Cynthia Jappur, lembrou que a sociedade melhorou nos últimos séculos. “Há alguns séculos, a tortura era parte da sentença, disciplinada até mesmo em quantidade e intensidade. Evoluímos. Hoje, é crime. Acredito que ainda é possível melhorar mais com a implantação de outras medidas, além do combate na esfera criminal”, frisou a Promotora. De acordo com ela, há cinco situações em que há vulnerabilidade para a ocorrência da tortura: o sistema prisional, a internação de adolescentes que cometeram atos infracionais, as abordagens durante policiamento ostensivo, a ação frente a movimentos sociais e as reintegrações de posse ou desocupações de áreas.
Em junho de 2012, Ministério Público, Governo do Estado, Assembleia Legislativa, Tribunal de Justiça do RS e Defensoria Pública do Estado assinaram um Termo de Cooperação Técnica que prevê ações integradas de prevenção à prática de tortura no RS. A Promotoria instaurou, no mesmo ano, um inquérito civil para acompanhar a implantação e fiscalização do cumprimento do convênio. O evento é fruto do termo de cooperação técnica de prevenção à tortura.
O representante do Tribunal de Justiça do Estado, Gilberto Schafer, falou da representação à ONU sobre as condições do Presídio Central. “Não há diferença entre a tortura e a pena cruel, elas fazem parte do mesmo conceito; para mostrar o que antes era velado, precisamos fazer com que as pessoas vejam as imagens do que realmente acontece nos presídios”, destacou.
TORTURA AUMENTOU
“Precisamos quebrar várias hipocrisias, a começar pela máxima de que a tortura diminuiu e que é menor no RS do que em outros estados. Ela é cotidiana e vem aumentando em determinados locais”, afirmou a Ouvidora da SSP, Patrícia Couto. “A tortura começa nos lares, contra idosos, nas escolas, e são as que chegam a registro. Mas, quando é o ente estatal que é o agente de tortura, a notificação cai vertiginosamente”, disse. “As práticas são contra negros, pobres, moradores de rua e encarcerados. É uma violência que se retroalimenta”, postulou Patrícia Couto. De acordo com ela, uma pesquisa realizada pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República concluiu que metade da população entende como aceitável a prática de tortura em determinados casos, o que sugere que é preciso fazer com que o tema saia de um véu de invisibilidade para uma real discussão junto à população.
Para o Defensor Público Estadual João Otávio Carbona Paes, a tortura é praticada hoje contra aqueles que não são identificados como ‘nós’. “A partir das manifestações nas ruas, a classe média entendeu que a tortura e a violência não é exclusividade dos pobres”, analisou. Ele demonstrou relatos de manifestantes presos nos protestos em Porto Alegre, em que houve tortura física e psicológica. “Isso acontece todos os dias nas vilas, mas só agora a classe média se deu conta; enquanto ainda existir o discurso de que se precisa proteger o dito ‘cidadão de bem’ a qualquer custo, seguiremos estigmatizando o pobre e aquele que contesta o que está ruim, e teremos uma sociedade cada vez mais violenta e que legitima a violência cometida pelo Estado”, disse. “Devemos parar de provocar o medo para corroborar a violência”, concluiu o Defensor.