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"Depoimento sem Dano": ouvindo a criança de forma a evitar mais traumas

"Depoimento sem Dano": ouvindo a criança de forma a evitar mais traumas

marco
Nova técnica de inquirição de vítimas de abuso sexual cresce. Recente decisão judicial concedeu mandado de segurança para ouvida de meninas em sala especial

“A implementação e consolidação de projetos judiciários que, a exemplo do “Depoimento sem Dano”, possuem profunda significação social, afirmam o princípio da dignidade humana e contribuem para o avanço institucionalizado da prestação jurisdicional”. A avaliação é do desembargador Aymoré Roque Pottes de Mello, presidente-relator de ação em que entendeu “relevante” a postulação do Ministério Público para inquirição de vítimas menores, abusadas sexualmente, sob a tecnicalidade do “Projeto Depoimento sem Dano”, não obstante os “indiscutidos predicados e atributos profissionais da Magistrada que preside o processo criminal”. Assim, por maioria, em recente decisão da 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, os julgadores concederam mandado de segurança determinando que duas meninas fossem ouvidas no processo-crime sob a procedimentalidade do “Projeto Depoimento sem Dano”.

INTRAFAMILIAR

No julgamento do caso de violência intrafamiliar, foi reconhecido que o “Depoimento sem Dano”, projeto inspirado na obra “Abuso Sexual: a Inquirição das Crianças – Uma Abordagem Interdisciplinar”, da promotora de Justiça Veleda Dobke, promove a proteção psicológica de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual e, ainda, “permite a realização de instrução criminal tecnicamente mais apurada, viabilizando uma coleta de prova oral rente ao princípio da veracidade dos fatos”. A propósito, nas audiências públicas da III Jornada contra a Violência e a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, ocorridas em cidades do interior do Estado, no ano passado, o comovente CD que apresenta o sistema do “Depoimento sem Dano”, novo método de inquirição de crianças e adolescentes vítimas, foi exibido ao público.

SALA ESPECIAL

A finalidade é proteger a vítima de violência de mais traumas e ouvi-la para colher aquela que, muitas vezes, segundo Veleda, “é a única prova no processo quando o delito não deixa vestígios”. A Promotora de Justiça, que atua na Capital, salientou que “ouvir uma criança abusada sexualmente não é tarefa fácil, ainda mais em juízo”. No caso de abusos, muitas vezes as crianças são ameaçadas física e psicologicamente. Veleda frisou que um estudo realizado em 1999 mostrou que os operadores do Direito tinham dificuldades para inquirição de criança-vítima abusada sexualmente, também pela falta de estrutura e ambiente. “Ouvir uma criança não é o mesmo que ouvir um adulto”, observou. “É necessário preparo técnico emocional e muita sensibilidade”, disse. Por isso, sugeriu que um profissional capacitado pudesse ouvir essa criança. A idéia foi acolhida pelo Juízo da Infância e da Juventude de Porto Alegre, que acabou idealizando a sala especial para ouvir a criança-vítima.

BENEFÍCIOS

No caso em tela, um homem vinha abusando da filha, de cinco anos, e da enteada, de nove, mediante violência e grave ameaça. Ele acabou denunciado pelo Ministério Público, com base nos artigos 214, 226, 136 e 69 do Código Penal. O promotor de Justiça Darwin Ferraz Reis, que atuava perante à 6ª Vara Criminal de Porto Alegre, requereu que as vítimas fossem ouvidas através do “Depoimento sem Dano”. Contudo, a Magistrada indeferiu o pleito do Ministério Público de realizar a inquirição das vítimas, no processo-crime, através da sala especial. Na inicial, o impetrante sustentou os benefícios do DSD, que vem sendo amplamente utilizado por diversas Varas no Estado, constituindo procedimento que “protege a vítima de situações negativas que uma audiência em local inadequado e nos moldes normais poderiam resultar”. Darwin Reis postulou a liminar esclarecendo que pretendia “a utilização de meio mais moderno e menos invasivo na coleta da prova”. Mencionou que o DSD, além de propiciar maior riqueza de detalhes por parte da vítima, “evita a natural inibição quando inquiridas nos moldes tradicionais pela presença daqueles que acompanham obrigatoriamente o ato”.

INQUIRIÇÃO

Em seu parecer, a procuradora de Justiça Maria Cristina Cardoso Moreira de Oliveira, que atua junto à 6ª Câmara Criminal do TJE, ressaltou que a ordem era de ser concedida. Sublinhou que embora a Magistrada estivesse buscando estabelecer uma relação de confiança com as vítimas, “não se está a questionar a capacidade e preparo da Juíza em inquirir menores abusados sexualmente, mas o DSD, que mediante intermediação de psicólogos visa suprir a necessidade do máximo esclarecimento do ocorrido, atingindo menos possível a integridade emocional da vítima”. Maria Cristina Oliveira argumentou que crianças possuem “um nível cognitivo, intelectual e psicossocial diferente dos adultos” e, por isso, a tomada de suas declarações “deve ser repensada pelos operadores do direito”, porque a inquirição inadequada da criança, “além de prejudicar a prova, pode causar um dano psicológico a ela”.

LIMITES

Por isso, Maria Cristina assinalou que os operadores precisam estar preparados “para não rejeitar a experiência abusiva e, em conseqüência, a própria criança”. “Devemos aceitar o fato de que nossa visão técnico-jurídica tem limites e que nossa capacidade profissional muitas vezes não é suficiente”. Portanto, “exigir de nós mesmos uma atitude de disponibilidade mental para um trabalho interdisciplinar, aceitando propostas de outras áreas do conhecimento, é nossa obrigação”, falou a Procuradora de Justiça, enfatizando que o projeto implantado pelo Conselho de Magistratura é de grande valia, “para não dizer essencial”.
O Presidente-Relator da ação registrou, ainda, o crescente estágio de implantação do projeto DSD no Judiciário gaúcho que, em 2003, ouviu 55 crianças e adolescentes, em 2004, outras 138 e, em 2005, mais de 200 em processos que tramitaram na Capital e no Interior do Estado, conforme dados colhidos junto à 2ª Vara da Infância e Juventude de Porto Alegre.



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