Ações coordenadas pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul reduzem danos causados pelo uso de agrotóxicos
As denúncias de deriva de agrotóxicos hormonais, como o 2.4-D, reduziram 66% de agosto a outubro deste ano em comparação com 2020. A informação é do Departamento de Defesa Vegetal da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural. O período é o mais usado pelos produtores rurais para aplicações dos herbicidas, se estendendo até dezembro, em função da implantação da safra de verão no Estado.
Para o promotor de Justiça do Meio Ambiente de Porto Alegre Alexandre Saltz, “esses números são resultado de uma construção coletiva do Ministério Público, com a presença importante de órgãos do Estado, especialmente a Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural, e com a participação intensa da Farsul e das próprias indústrias que comercializam o produto no Rio Grande do Sul”. Saltz explica que, depois de meses de debate, “um acordo oportunizou uma série de providências que vão qualificar a atuação do Estado, fundamentalmente na área da educação e na área da fiscalização qualificada”.
ENTENDA O CASO
O Ministério Público do Rio Grande do Sul investiga, desde janeiro de 2019, os impactos do agrotóxico ácido 2.4-D, utilizado em plantações de soja, milho e trigo para o controle de ervas daninhas. A toxicidade do herbicida acaba por danificar, impedir o crescimento e causar a mortandade de inúmeros espécimes vegetais que se encontram na circunvizinhança e até mesmo em locais mais afastados da propriedade rural. Há relato e comprovação de danos na viticultura, em frutas cítricas, maçãs, oliveiras, erva-mate, fumo, bem como na produção de mel e em plantas e árvores nativas de diversas espécies. Ainda, para além do dano às culturas de outras espécies, o produto tem o potencial de causar danos à saúde humana, conforme diversos estudos técnicos acostados aos autos.
Após ações de fiscalização em 23 municípios gaúchos, nas quais foi constatada a deriva do herbicida, por conta dos danos que o produto causa às culturas sensíveis, à saúde humana e ao meio ambiente, o propósito inicial da investigação da Promotoria de Justiça do Meio Ambiente era avaliar a possibilidade da proibição da comercialização e aplicação dos agrotóxicos hormonais no Estado, cuja venda é vedada em países como Dinamarca, Suécia, Noruega, em alguns estados do Canadá e províncias da África do Sul. Porém, a discussão ganhou novo rumo, na medida em que o Estado do Rio Grande do Sul, diante dos interesses sociais e econômicos postos em causa, editou o Decreto 54.514/2019, criando um Grupo de Trabalho para tratar das questões relativas à utilização do agrotóxico 2.4-D em seu território, na busca da construção de solução que compatibilizasse, minimamente, a proteção do meio ambiente e da saúde da população com a atividade econômica associada ao cultivo da soja.
A conclusão foi que a situação de fato sugeria que boa parte dos problemas decorre do mau uso do produto e que outro produto usado em substituição ao 2.4-D poderia trazer iguais consequências. Assim, foi editada, pela Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (SEAPDR), uma série de instruções normativas prevendo a venda orientada, cadastro de culturas sensíveis, controle da comercialização, uso e aplicação do herbicida hormonal 2.4-D.
Após a construção de recomendações técnicas para o uso dos herbicidas hormonais, por meio de acordo celebrado com as indústrias produtoras deste tipo de agrotóxico, o Estado conseguiu receber equipamentos e tecnologia que estão qualificando o processo de fiscalização. O que antes era possível apenas presencialmente, hoje é feito também de maneira remota, a partir do cruzamento das informações prestadas pelo produtor, pelo comerciante, com as condições climáticas do dia e do local da aplicação, verificando a conformidade ou não com a bula do produto e as instruções normativas que tratam do tema.
“Foi então necessário dar início à responsabilização criminal daqueles que insistem em descumprir com as determinações”, explica Saltz. Segundo ele, o Ministério Público, como titular da ação penal, pode deflagrar processo criminal contra produtores e comércios.
ENCAMINHAMENTOS CRIMINAIS
Os autos de infração lavrados pela SEAPDR relacionados à deriva do herbicida 2.4-D recebidos pela Promotoria de Justiça do Meio Ambiente de Porto Alegre são encaminhados às Promotorias de Justiça onde os crimes, em tese, ocorreram para adoção das providências. Foram firmados diversos acordos de não persecução penal (ANPPs) com os produtores rurais, técnicos e empresas que descumpriram as orientações técnicas sobre a aplicação de herbicidas hormonais no Rio Grande do Sul.
A Promotoria de Justiça Especializada de São Borja foi uma das que recebeu o maior número de expedientes. Por isso, instaurou 88 procedimentos administrativos em razão de autuações efetivadas pela SEAPDR noticiando irregularidades envolvendo produtores rurais, empresas que comercializam agrotóxicos e responsáveis técnicos. Foram designadas 88 audiências para fins de propositura de ANPPs por crimes ambientais. Dos 64 produtores rurais autuados, 42 aceitaram os acordos propostos. Já das 10 empresas investigadas, oito firmaram ANPPs, assim como 10 dos 14 responsáveis técnicos autuados, em valores que ultrapassam R$ 500 mil destinados ao Fundo para Reconstituição dos Bens Lesados e conta das penas alternativas da comarca. “A adesão de aproximadamente 80% aos ANPPs propostos demonstra o interesse das classes envolvidas em solucionar a complexa questão do uso, prescrição e comercialização dos agrotóxicos hormonais no Estado”, ressalta a promotora de Justiça de São Borja Melissa Marchi Juchen.
JULGAMENTO
Acontece na próxima sexta-feira, 3 de dezembro, o julgamento de um recurso no Tribunal de Justiça que irá decidir se o produtor rural que aplica o 2.4-D em desacordo com as instruções normativas está cometendo crime ou mera infração administrativa. O entendimento do Ministério Público é de que é crime, e a procuradora de Justiça Maria Ignez Franco Santos irá defender a posição perante o 2º Grupo Criminal.
O MPRS entende que a decisão do TJRS vai fazer diferença no encadeamento da fiscalização, já que todo o conceito da atuação foi pensado em várias frentes. A primeira delas foi incentivar a educação e a conscientização, depois equipar o Estado para aprimorar a fiscalização, intensificá-la e, por fim, responsabilizar criminalmente como último recurso. “A maioria tem aceitado os acordos de não persecução penal. Essa discussão que chegou ao Tribunal foi gerada por um ou outro produtor que não aceitaram”, aponta Saltz.