Investigação dos exames pré-câncer de Pelotas é arquivada pelo Ministério Público por ausência de justa causa
O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, por meio da promotora de Justiça Rosely de Azevedo Lopes, da 5ª Promotoria de Justiça Cível de Pelotas, arquivou por ausência de justa causa o inquérito instaurado em 2018 a partir de denúncia de fraude nos laudos de exames citopatológicos realizados no Município de Pelotas pelo Laboratório SEG – Serviço Especializado de Ginecologia. O Inquérito Civil nº 00825.00004/2018 também buscava investigar a atuação do Município de Pelotas quanto à fiscalização das atividades do laboratório conveniado. Após ampla averiguação da denúncia, as provas apuradas evidenciaram que a suposta fraude nos exames não ocorreu.
Na época, a instauração do expediente ocorreu devido à ampla divulgação na imprensa a partir da denúncia de fraude nos laudos dos exames. De acordo com a ocorrência, a cada 500 amostras coletadas apenas cinco eram efetivamente analisadas, enquanto às demais eram acostados laudos-padrão que atestavam normalidade.
A pedido do MP, o Instituto-Geral de Perícias do Estado realizou a verificação das lâminas arrecadadas no Laboratório SEG no período correspondente a janeiro de 2017 a junho de 2018. Foram revisadas, na perícia inicial, 196 lâminas oriundas do Posto de Saúde Bom Jesus, de onde partiu a denúncia, sendo evidenciado que todas as taxas de discordância encontradas estavam entre os limites aceitáveis pela literatura. Além disso, os problemas encontrados nesta perícia foram referentes à coleta das amostras, fase em que não havia intervenção do Laboratório SEG.
O IGP-RS analisou posteriormente o segundo lote de exames citopatológicos da mesma UBS, contendo 124 lâminas, referentes aos meses de junho a dezembro de 2017. O terceiro e último lote de exames periciados pelo IGP referentes a outras UBS da cidade foram realizados a título de contraprova, totalizando 100 lâminas, de cinco postos de saúde diferentes.
Na conclusão do IGP após a perícia dos três lotes, analisou-se que, dos 420 casos analisados, apenas cinco foram discordantes em relação ao resultado benigno x maligno e que essas divergências não apontaram casos notadamente malignos que não teriam sido diagnosticados. A taxa de discordância obtida foi de 1,19%, considerada plenamente aceitável segundo o Manual de Gestão da Qualidade para Laboratório de Citopatologia, do Ministério da Saúde, elaborado pelo Instituto Nacional do Câncer José de Alencar Gomes da Silva (Inca), que limita a 10%.
Além da revisão efetivada pelo IGP, o Hospital de Clínicas de Porto Alegre realizou perícia em algumas lâminas apreendidas e destacou que, dos 156 conjuntos de lâmina e requisição analisados, 154 exames foram considerados negativos, em concordância com os laudos do Laboratório SEG.
Os peritos destacaram que não foram identificados indícios que apontem para uma fraude, do tipo análise por amostragem parcial, visto que, nos casos em que foi possível a realização da conferência, os resultados não foram significativamente discordantes. A imperícia grave também foi descartada devido à ausência de indicativos de exames falsos negativos ou falsos positivos.
Também de acordo com a conclusão da Auditoria do Departamento Nacional de Auditoria do SUS (Denasus), realizada a fim de apurar a regularidade dos serviços contratualizados entre a Secretaria Municipal de Saúde e o Laboratório SEG, não foram encontradas evidenciadas situações que pudessem confirmar o teor das denúncias feitas sobre fraudes em exames de colo de útero realizados no Município de Pelotas.
Desta forma, depois de realizadas averiguações por três entidades diferentes, entendeu-se que a suposta fraude nos exames de colo de útero não ocorreu, considerando-se assim, inverídica a denúncia inicial de que as amostras coletadas das pacientes da rede pública de saúde de Pelotas estavam sendo analisadas por amostragem.
Ainda, no que diz respeito à fiscalização da prestação do serviço de exames citopatológicos pelo Município de Pelotas, não se detectou conduta omissiva importante, visto que o funcionamento do Laboratório SEG estava regular. Mesmo assim, após o conhecimento dos fatos da denúncia, foi instaurada sindicância pelo Município, houve suspensão dos serviços pelo laboratório, contratação emergencial e posterior contratação de novo laboratório após credenciamento público. Deste modo, conclui-se que a atuação do Município se deu de forma precedente e posteriormente à investigação dos fatos.
Por fim, a promotora de Justiça reitera o respeito às mulheres que tiveram seus nomes divulgados publicamente, três das quais se tem conhecimento de que foram a óbito e lamenta-se profundamente o ocorrido. Todavia, salienta que a imputação de responsabilidades não pode ser feita de forma leviana. “Não há como, em virtude desses múltiplos fatores a serem averiguados nos casos concretos, atribuir-se pronta responsabilização, seja do laboratório investigado ou do Município gestor da rede pública de saúde, quanto à situação dessas pacientes que realizaram exames de colo de útero e obtiveram resultados falsos negativos”, reafirma a promotora Rosely de Azevedo Lopes, responsável pela instauração do Inquérito Civil.