União de instituições contra efeitos da Lei de Abuso de Autoridade marcou encontro sediado pelo MP
A comunhão de esforços entre as instituições para reverter a lei de Abuso de Autoridade marcou as atividades do evento que discutiu as repercussões da nova lei, ocorrido nesta nesta segunda-feira, 21, no auditório Mondercil Paulo de Moraes, na sede do MP, em Porto Alegre. Durante a abertura do evento, o procurador-geral de Justiça, Fabiano Dallazen, enfatizou que o objetivo da lei não é combater o abuso de autoridade, mas “intimidar e retaliar a todos aqueles órgãos, instituições e poderes que participam diretamente do combate e repressão da criminalidade”. Para ele, o evento, de caráter interinstitucional, é mais um recado dos operadores do Sistema de Justiça de que não irão descansar e trabalharão “ainda mais para combater esse mal que é o crime organizado e a corrupção”. Ressaltou, ainda, a força da união entre instituições, demonstrada na atividade desta tarde. “É essa integração que trouxe a eficiência no combate à criminalidade.”
O secretário de administração prisional, Cesar Faccioli, pontuou que essa é, talvez, “a maior ameaça à democracia brasileira desde 1988”. “É pressuposto estrutural e estruturante da democracia o combate efetivo à criminalidade e à corrupção. Essa proposta de alteração da lei modifica as entranhas da possibilidade de enfrentamento ao crime”, apontou. “A missão que nos une é lutar pela democracia, portanto estamos todos de parabéns”, finalizou. Por sua vez, o superintendente regional da Polícia Federal no RS, Alexandre da Silveira Isbarrola, lembrou que “a diferença entre o remédio e o veneno é a dose”. “Ninguém é contrário que exista controle ou se haja de forma adequada, mas a dose ficou excessiva e, errando na dose, em vez de remédio, teremos um veneno que vai não só matar o Sistema de Justiça no enfrentamento à criminalidade, mas também o nosso amadurecimento democrático”, apontou.
Na mesma esteira, o procurador-chefe da Procuradoria Regional da República da 4ª Região, Marcelo Veiga Beckhausen, apontou a efetividade dos controles internos dos órgãos de fiscalização. “Não é um ataque ao promotor de Justiça ou juiz que eventualmente comete um equívoco, o que ocorre é um ataque frontal ao Estado Democrático de Direito”. Já o presidente do TJRS, Carlos Zietlow Duro, lembrou que a lei gera insegurança. “O fato é grave, merece repulsa e acabará por atingir toda a sociedade. Não podemos esquecer que é ela que é a destinatária final das nossas atividades”. Por fim, o representante da Associação Riograndense de Imprensa, João Batista Filho, frisou que “travas não podem ser colocadas no desempenho da Justiça, do MP, das policiais civis e militares”. Ele manifestou a solidariedade da ARI “de maneira convicta e irredutível” às instituições. Estiveram presentes, também, representantes de grupos de comunicação do Rio Grande do Sul.
PAINEL
Do painel sobre as repercussões da lei, participaram a corregedora-geral da Justiça, Denise Cezar, o comandante da BM, Mário Ikeda, a chefe da PC, Nadine Anflor, e o coordenador do CaoCrim do MP, Luciano Vaccaro. A primeira a falar foi a corregedora-geral da Justiça, Denise Oliveira Cezar, que apontou que “jamais se ousou criminalizar o exercício jurisdicional propriamente dito, porque seria como criminalizar o exercício de qualquer função pública por ela própria”. Para a magistrada, essa é “uma mudança de paradigma absoluta, pois a grande preocupação não é em combater o eventual abuso em um confronto com o bandido comum; o que interessa é classificar como abuso de autoridade o exercício da investigação, do processo, da condenação e do cumprimento de pena de pessoas que antes não estavam sujeitas à legislação”.
Depois da corregedora, foi a vez da chefe da Polícia Civil, Nadine Anflor. Ela manifestou o sentimento de preocupação dos operadores da segurança pública com a alteração legal: “pelo menos 12 artigos dessa lei atingem frontalmente o trabalho da polícia judiciária”. Nadine Anflor apresentou uma análise de cada um dos artigos e possibilidades de atuação. “Mesmo assim, devemos continuar cumprindo nossa missão constitucional que é servir e proteger sem medo”, enfatizou. Ela foi seguida do comandante-geral da Brigada Militar, Mário Ikeda, que demonstrou dados da produtividade da corporação. Conforme ele, em Porto Alegre, foram presos 953 foragidos e mais de 110 mil ocorrências atendidas até setembro deste ano. “Houve 1295 confrontos armados, com quatro policiais mortos e 16 feridos gravemente, uma média de quase cinco por dia, em que a exposição do policial à criminalidade é muito grande”, informou. Ikeda finalizou com um apelo: “o que pedimos, como policiais militares, é o apoio da população e de seus representantes para que nos dê condições legais de desempenhar as nossas funções”, concluiu.
O painel foi concluído com a fala do coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal e de Segurança Pública do MP, Luciano Vaccaro, que rememorou que a Constituição Federal completou 31 anos e, com ela, o Ministério Público. “Quando não só do ponto de vista formal, mas também material, estamos em condições de combater a macrocriminalidade, cai sobre nós uma espada a nos intimidar e dar o recado de que estamos atingindo aqueles que estavam protegidos até então”, diz. Ele falou sobre a estrutura preparada ao enfrentamento às facções e crime organizado, com delegacia, promotoria e vara judicial específica para tal, e citou casos de deputados, prefeitos e vereadores condenados a partir de investigações do MP. Ele falou, ainda, sobre a vedação de informações à imprensa: “isso nos atinge como uma lei da mordaça”. Após o painel, representantes de associações e entidades de classe ligadas ao Sistema de Justiça manifestaram suas preocupações.
AÇÕES PARA REVERSÃO
A Lei de Abuso de Autoridade foi aprovada pelo Congresso Nacional em agosto e sancionada em setembro pelo presidente Jair Bolsonaro. Tramitam no Supremo Tribunal Federal três ações contra a nova lei, ajuizadas pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Associação de Magistrados Brasileiros (AMB) e a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).
Ainda, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 4909/19 para revogar a nova legislação, sob a alegação de que ela constitui uma agressão ao combate à criminalidade. O projeto será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania e também pelo Plenário.
Internacionalmente, um GT da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico divulgou, nesta segunda-feira, 21, que é contra a Lei e irá enviar representantes à Brasília em novembro para reforçar a posição da entidade contra as mudanças legislativas. Em julho, a OCDE emitiu declaração destacando a preocupação de que a lei desencoraje juízes e promotores nos processos e investigações de combate à corrupção no Brasil e no exterior.