Supremo acolhe tese do MP e reconhece como crime fuga de local de acidente de trânsito
Por sete a quatro, os ministros do Supremo Tribunal Federal declararam constitucional o artigo 305 do Código de Trânsito que diz o seguinte: "Afastar-se o condutor do local do acidente, para fugir à responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída. Pena de 6 meses a 1 ano ou multa". Assim, foi acatada a tese do MPRS, defendida no Recurso Extraordinário 971959. O promotor de Justiça Alexandre Saltz fez a sustentação oral em nome do Ministério Público do Rio Grande do Sul e defendeu que o direito a não incriminação não permite ao indivíduo autorização para fugir do local do acidente. Ele destacou que “o STF, cumprindo o seu papel de intérprete da Constituição, definiu que o princípio da não autoincriminação não é absoluto e que o julgamento destacou a necessidade de um olhar do aplicador do Direito aos problemas e às políticas públicas que assolam a comunidade brasileira, como é o caso dos acidentes de trânsito”. Segundo a Procuradoria-Geral da República, 60% dos leitos do SUS são ocupados por vítimas de acidentes de trânsito.
De acordo com o procurador-geral de Justiça, Fabiano Dallazen, esta foi uma grande vitória do Ministério Público do Rio Grande do Sul. “Nós sempre nos destacamos na interposição dos recursos e no enfrentamento de matérias que tramitam nos tribunais superiores. Agora, aprimoramos este trabalho com a nossa representação em Brasília que nos permite o acompanhamento de perto dos processos em tramitação e a sustentação oral nos julgamentos, formando jurisprudência em temas de relevância e abrangência nacional”.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
O recurso, assinado pelo titular da Procuradoria de Recursos, procurador de Justiça Luiz Fernando Calil de Freitas, foi protocolado em 19 de maio de 2016, para reverter decisão de segundo grau que inocentou um motorista que fugiu do local do acidente que havia provocado. “Foi uma decisão muito importante. Há algum tempo, o MP vem interpondo Recursos Extraordinários a decisões da Turma Recursal do Juizado Especial e, desta vez, a um recurso nosso foi atribuída repercussão geral. Acreditamos que essa questão esteja agora resolvida definitivamente quanto à legitimidade deste tipo penal”, disse Luiz Fernando Calil de Freitas.
Conforme a denúncia do promotor de Justiça Stéfano Lobato Kaltbach, na madrugada de 02 de novembro de 2010, no centro de Flores da Cunha, na Serra Gaúcha, Gilberto Fontana causou um acidente de trânsito e imediatamente fugiu do local, sendo, posteriormente, localizado pela Brigada Militar. Em depoimento, o motorista disse que não tinha percebido que havia raspado no veículo da vítima e alegou que fez isso porque o acidente teria sido de pequenas proporções. No entanto, ele admitiu que havia saído de uma casa noturna, onde ingeriu bebida alcoólica.
A sentença de primeiro grau, que o condenou a oito meses de prestação de serviços comunitários e pagamento de dois salários mínimos de multa, destacou que “não é crível que o réu não tenha percebido o acidente, pois, segundo a vítima, os danos foram expressivos, e não apenas um 'raspão' como mencionou o acusado. Com certeza fugiu do local para evitar a responsabilização civil e criminal, até porque, por seus inúmeros envolvimentos em delitos de trânsito, o réu perdeu sua habilitação e está impossibilitado de exercer a profissão de motorista de táxi”. O documento ainda destaca que “condutas como essa do acusado merecem forte repreensão, sob pena de, estimulado pela impunidade, continuar praticando essas infrações e, quiçá, acabar ceifando vidas de inocentes”.
REPERCUSSÃO GERAL
Em agosto de 2016, o STF decidiu pela repercussão geral do RE. São amicus curie o MP de São Paulo e a Defensoria Pública Estadual do Rio de Janeiro.
O relator, ministro Luiz Fux, disse que é indefensável a fuga do local do acidente. “Como uma sociedade justa e solidária pode admitir que alguém fuja do local do acidente para não se incriminar?”, questionou. “O princípio da proporcionalidade propugna pela defesa dos direitos fundamentais sempre. E a responsabilização penal de quem foge do local do acidente no Código de Trânsito tem apoio constitucional”, disse.
Também realizou sustentação oral, acompanhando a tese do MP gaúcho, o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Gianpaolo Poggio Smanio.