Planejamento familiar é levado também à comunidade de Pelotas
O primeiro ciclo de debates sobre planejamento familiar no interior do Estado foi fechado nesta sexta-feira, dia 8, em Pelotas. O município, com mais de 323 mil habitantes, foi palco de mais um encontro regional que promoveu a discussão da matéria entre Promotores de Justiça atuantes nas áreas da cidadania, direitos humanos e infância e juventude, gestores municipais e estaduais. O evento ocorreu no auditório da sede do Ministério Público, exatamente um dia depois da cidade conhecida como a “Princesa do Sul” completar 193 anos de fundação. Aberto à comunidade, o encontro foi organizado pelo Centro de Apoio Operacional de Defesa dos Direitos Humanos, com apoio do CAO da Infância e da Juventude e do Gabinete de Articulação e Responsabilidade Social da Instituição. Na oportunidade foram apresentados painéis abordando a política de planejamento familiar e o papel do Ministério Público, experiências locais, repercussões na saúde das pessoas, família e da sociedade, a gravidez indesejada e suas implicações e a responsabilidade do gestor municipal na implantação de ações.
O Promotor de Justiça Mauro Luís Silva de Souza, Coordenador do CAO/Direitos Humanos, está satisfeito: “Estamos tendo uma resposta além da nossa expectativa, porque é significativa a freqüência de pessoas, colegas e gestores públicos de saúde e de políticas públicas nos eventos”. Ele entende que o retorno é bastante positivo na medida em que pessoas que participaram ou tiveram de alguma forma notícia do acontecimento na comunidade, “passaram a procurar colegas do interior e o Centro de Apoio na busca de maiores informações e, também, de material a respeito de planejamento familiar”. Mauro de Souza espera que os encontros possam despertar cada vez mais o interesse pelo assunto. O evento programado para o dia 23 de setembro, na Capital, reunindo Promotores de Justiça da Grande Porto Alegre, Litoral e Serra, “pode ser o coroamento desse trabalho que iniciou uma discussão séria e grande sobre a necessidade de se implantar políticas de planejamento familiar”, observou Souza, adiantando que, futuramente, a idéia é “fazermos uma avaliação de todo o movimento para termos a exata dimensão da resposta que a ação do Ministério Público foi capaz de produzir na sociedade gaúcha”.
ATUAÇÃO
Em Pelotas, a cerimônia foi aberta pelo Subprocurador-Geral de Justiça para Assuntos Institucionais, Mauro Henrique Renner. Ele deixou claro que a intenção da Administração Superior “é construir um canal de diálogo interinstitucional com vários segmentos da sociedade para o estabelecimento de estratégias conjuntas e uniformes”. Renner ressaltou a necessidade de uma frente composta pela Instituição, órgãos públicos e a iniciativa privada. Acrescentou que a ocasião servia, também, para qualificar a atuação dos membros do Ministério Público. “Queremos buscar soluções com a participação da sociedade para resolver os problemas decorrentes de uma falta de planejamento familiar”, destacou Renner, acreditando que somente através da formação de uma rede será possível atuar com sucesso na matéria. “Queremos diminuir a litigiosidade em nossas ações e isso será possível através de debates como esses que estão ocorrendo”.
DIREITOS
Para o Coordenador do Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude, Miguel Granato Velasquez, é preciso “deixar a hipocrisia de lado e admitir que o planejamento familiar é uma necessidade”. Enfatizou que não é possível um país se desenvolver sem ações como essas. “A reprodução da miséria e da exclusão precisa ser mudada”, disse Velasquez, assinalando que a discussão do tema é um grande avanço, visto que até bem pouco tempo “era proibido falar em planejamento familiar, pois isso significava interferir na formação das famílias”. Ressaltou que o Ministério Público deve assegurar a todos, especialmente às mulheres, o direito de decidir o número de filhos que pretendem ter. Contudo, disse que “proteger a infância é assegurar à criança o direito de vir ao mundo quando ela é desejada”. O Coordenador do Gabinete de Articulação e Responsabilidade Social do Ministério Público, João Carlos Pacheco, falou da importância dos temas que estão sendo discutidos e da possibilidade de mudança do quadro atual. Observou que o encontro “dará oportunidade de sermos partícipes ativos na obtenção do resultado que se pretende na busca de um país melhor”.
VALORES
O Promotor de Justiça Rodrigo Schoeller de Moraes, de Rio Grande, falou do trabalho desenvolvido pela Promotoria de Justiça naquela cidade. Na sua visão, o que está em falta na sociedade atual “é a disseminação de bons valores, de modos de agir”. Defendeu que os pais são imprescindíveis na formação das crianças, especialmente nos três primeiros anos de vida, “para introjetar a pregação de afeto e carinho”. Em Rio Grande, comentou que a adesão ao projeto de planejamento familiar tem sido de toda a comunidade, comprometida na melhoria da qualidade de vida. Schoeller ainda discorreu sobre a política do planejamento familiar. Colocou que a meta é buscar um planejamento com paternidade responsável. Destacou que percebe-se, nos dias de hoje, a desestruturação da família. “Precisamos congregar a sociedade em torno de valores como o afeto”. Referiu que o planejamento é um direito do cidadão e de livre decisão do casal, cabendo ao Estado repassar recursos para o exercício desse direito. Todavia, liberdade implica em responsabilidade. Esclareceu que a Lei Federal 9.263, de 1996, regula o parágrafo 7º do artigo 226 da Constituição Federal, assegurando “assistência à concepção e contracepção” e que o planejamento familiar existe para “garantir às crianças e adolescentes, uma vida perto de seus pais”. O Promotor de Justiça de Pelotas, José Olavo Bueno dos Passos, falou da honra do Ministério Público da cidade poder sediar o evento. José Olavo relatou experiências vividas no município, referiu a falta de políticas públicas adequadas e apresentou números estatísticos em relação à Pelotas. Um deles é de que no ano passado 144 crianças e adolescentes estavam em situação de rua. “Audiências com os responsáveis permitiram a reintegração dos filhos no seio dessas famílias”.
GRAVIDEZ
O Médico e Chefe do Complexo de Obstetrícia da Santa Casa de Porto Alegre, Antônio Celso Ayub, abordou a gravidez indesejada e suas implicações médicas e sociais. Apresentou dados comprovando que uma gravidez não planejada acarreta em ausência de exames preventivos essenciais para a mulher, como o pré-natal, além de conflitos emocionais e conseqüentes complicações na gestação, muitas vezes com a tentativa e até a consumação de abortos. “A relação mãe e filho, decorrente de uma gravidez indesejada, tem como prováveis resultados maus-tratos contra o menor”. O médico também explicou as diferenças entre controle de natalidade e planejamento familiar. “O planejamento deve ser entendido como o conjunto de ações de regulação da fertilidade, que devem ser garantidas pelo Estado”. Última a palestrar, a enfermeira sanitarista Lurdes Maria Toazza Tura, que atua na área técnica de saúde da mulher da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre, apontou algumas ações que devem necessariamente partir dos gestores públicos, como a revisão da oferta de métodos contraceptivos, além da garantia do atendimento para mulheres e crianças vítimas de violência sexual. Lurdes ainda falou da pílula do dia seguinte, distribuída pelo Ministério da Saúde a todos os municípios do Brasil, que também pode ser usada para relações não desejadas.
(Jorn. Marco Aurélio Nunes/Pelotas).