Bioquímico é condenado a 54 anos e oito meses por matar mulher e filho
Ao acolher as teses do Ministério Público sustentadas em plenário, o conselho de sentença da 1ª Vara do Tribunal do Júri da Capital condenou o bioquímico Ênio Luiz Carnetti a 54 anos e oito meses (22 anos e 8 meses pela morte da mulher e 32 anos pela morte do filho) de prisão em regime inicialmente fechado. A decisão foi proferida nesta terça-feira, 20, após dois dias de julgamento. Os promotores de Justiça Lúcia Helena Callegari e Eugênio Paes Amorim defenderam que o réu premeditou as mortes da esposa Márcia Cambraia Calixto Carnetti, 39 anos, e de seu próprio filho, Matheus, 5 anos. A sessão do júri foi presidida pela juíza Taís Culau de Barros.
A promotora de Justiça Lúcia Helena Callegari argumentou que, conforme perícia feita pelo Instituto Psiquiátrico Forense, Ênio Carnetti era totalmente capaz de entender o caráter ilícito de suas ações. Ela sustentou que o psiquiatra contratado para a defesa do réu não apresentou os dias em que visitou o réu no IPF ou Presídio Central para a realização do parecer que o considerava incapaz, colocando sob suspeita a análise do médico, que apontou que ele seria inimputável. Por sua vez, o promotor de Justiça Eugênio Amorim afirmou que os antipsicóticos foram dados ao réu para potencializar o efeito do antidepressivo administrado e que Ênio não teve surto psicótico no momento dos crimes, que foram, para o MP, premeditados. Amorim demonstrou que Ênio justificou, por cartas encontradas na casa onde ocorreram os assassinatos, ter matado a mulher por que ela havia o traído, e o filho foi morto, segundo o réu, “para que não sofresse”.
Sobre a suposta tentativa de suicídio do réu na manhã seguinte às mortes (ele se jogou de uma ponte sobre o Guaíba), os promotores defenderam que Ênio Carnetti sabe nadar. Se jogar na água seria uma estratégia premeditada do réu para simular o surto psicótico. Lúcia Callegari ainda lembrou que, por dia, ao menos dez mulheres são mortas no país por seus companheiros em decorrência da cultura machista e de posse dos homens com suas esposas – crime de feminicídio.
O bioquímico, que no início do julgamento popular pediu para não sentar no banco dos réus e retornar ao Presídio Central onde se encontrava recolhido sob prisão preventiva, foi considerado culpado pelas mortes.
“Se fossemos julgar um crime como esse há 60 anos atrás, teríamos uma absolvição. Que bom que as mentalidades mudaram”, disse Lúcia Callegari. “Temos dois caixões, tudo isso porque ela queria se separar; ninguém pertence a ninguém e temos que compreender isso e a sociedade porto-alegrense nos deu esse resultado”, afirmou a promotora de Justiça. “A sociedade não pode mais tolerar a violência contra a mulher e nem admitir desculpas de que matou porque estava louco, estava em surto. A violência contra a mulher mata dez vítimas por dia no Brasil”, concluiu. Por sua vez, Eugênio Amorim fez uma defesa do Tribunal do Júri: “o MP se vê engrandecido pelo resultado”. Ele enfatizou ainda o fato de que a Polícia Civil será notificada para investigar possível crime de falso testemunho cometido perante o Tribunal do Júri pelo perito contratado pela defesa para sustentar a tese de inimputabilidade do réu.
O fato ocorreu em 25 de julho de 2012, na residência da família no bairro Tristeza, zona sul de Porto Alegre. Conforme a denúncia oferecida pelo Ministério Público, o crime foi praticado com três qualificadoras: motivo torpe (o autor não aceitava a ideia de separação conjugal e queria vingar-se da vítima por ela tê-lo submetido a acompanhamento psicológico e psiquiátrico), mediante meio cruel (houve inclusive golpes não letais no corpo com o intuito de causar sofrimento) e com recurso que dificultou a defesa da vítima (ela estava dormindo quando houve o ataque).
Na mesma noite, Ênio matou o filho a golpes de faca. O assassinato também foi cometido por motivo torpe, já que o autor queria vingar-se da esposa através da morte da criança; mediante meio cruel – alguns golpes foram para causar dor ao filho, sem letalidade –; com recurso que dificultou a defesa da vítima, que estava dormindo; e ainda contra menor de 14 anos. Na casa, foram encontrados diversos bilhetes deixados pelo bioquímico, um deles assumindo a autoria dos assassinatos.
Entretanto, na sentença de pronúncia, a Justiça entendeu que o réu deveria responder apenas por homicídio qualificado contra Márcia Cambraia Calixto Carnetti (motivo torpe, relacionado ao “sentimento de posse” contra a esposa), e homicídio qualificado contra Matheus Calixto Carnetti, (mediante recurso que dificultou a defesa do ofendido). Ele foi condenado, ainda, pelo crime ter sido cometido contra pessoa menor de 14 anos.