Denunciadas seis pessoas por mortes e cárcere privado em clínica de Arroio dos Ratos
A Promotoria de Justiça de São Jerônimo ofereceu, nesta quarta-feira, 14, denúncia contra Anderson Wagner dos Santos Zottis, André Fuentefria Quadrado, Carlos Augusto Batista, Paulo Ricardo Santos de Souza, Roberto Carlos Lindner Dolejal e Vander Luz Gomes Hernandes, por sete homicídios triplamente qualificados (motivo torpe, meio cruel – com emprego de fogo e asfixia – e recurso que dificultou a defesa das vítimas), duas tentativas de homicídio também triplamente qualificadas (pelas mesmas qualificadoras), cárcere privado (internação em casa de saúde, privação por mais de 15 dias e que resultou às vítimas, em razão de maus-tratos ou da natureza da detenção, grave sofrimento físico ou moral). Todos estão presos preventivamente no Presídio Estadual de São Jerônimo. A denúncia é assinada pelo Promotor de Justiça Fernando Sgarbossa.
Por volta da 1h da madrugada de 21 de julho, no Centro de Recuperação e Inserção Social do Dependente Químico Novos Horizontes – CNH, em Arroio dos Ratos, os denunciados mataram Paulo Elivelto Silva Rodrigues, Otávio Silva Napp, Mateus Scheitt Pietrich, Gabriel de Souza Rosa, Samir Prestes Ferreira, Adriano de Souza Antunes e Souza e Gustavo Brito Fagundes. Conforme as necropsias, as mortes ocorreram por inalação de gases irrespiráveis (monóxido de carbono) e carbonização (fogo). Tiago Eduardo Marinho e José Rodrigo Araújo Vasco não morreram porque foram socorridos por outros internos e retiradas do interior das celas a tempo. José Vasco segue internado em estado grave na UTI do Hospital Cristo Redentor, em Porto Alegre, com risco de morrer por comprometimento do aparelho respiratório.
Na ocasião dos fatos, as vítimas estavam em reabilitação em um local chamado de Centro de Observação - CO, que consistia em dois quartos contendo grades nas portas e janelas, fechadas com cadeado, para desintoxicação por um período de 15 a 30 dias. Os denunciados concorreram para a permanência dos pacientes no local até o momento do incêndio, por circunstâncias ainda não esclarecidas pela autoridade policial.
As pessoas faleceram em razão de não conseguirem sair do local, já que as portas e janelas estavam fechadas com grades e cadeados. A comunidade terapêutica CNH utilizava como método terapêutico a privação de liberdade dos residentes, sem qualquer amparo legal, em manifesta contrariedade ao disposto na Lei n.º 10.216/2001, na Portaria n.º 3.088/2011, do Ministério da Saúde, na Resolução – RDC n.º 29 de 20/06/11, da Anvisa, e na recente Resolução n.º 01 de 19/08/2015, do Conad. As normas dispõem expressamente que todas as portas dos ambientes de uso dos residentes devem ser instaladas com travamento simples, sem o uso de trancas ou chaves (art. 15 da Resolução Anvisa n.º 29/2011 e igual disposição no art. 6.º, XIII, da Resolução n.º 01/2015, do Conad).
Anderson Wagner dos Santos Zottis, Presidente do CNH, Carlos Augusto Batista, Coordenador da unidade de Arroio dos Ratos, Paulo Ricardo Santos de Souza, Supervisor da mesma unidade, e Roberto Carlos Lindner Dolejal, Diretor do local, concorreram para o crime na medida em que determinaram a instalação de grades nas portas e janelas dos quartos destinados aos internos, bem como tinham o conhecimento que as vítimas permaneciam nas acomodações trancafiados, assumindo o risco das mortes.
André Fuentefria Quadrado, chefe do plantão, e Vander Luiz Gomes Ernandes, monitor responsável pelos centros de observação no dia dos fatos, concorreram para a prática do crime na medida em que, recebendo ordens dos demais denunciados, sem qualquer amparo legal, mantinham as vítimas trancafiadas nos quartos, além de serem os responsáveis diretos pelos pacientes, já que permaneciam com as chaves dos cadeados que fechavam os quartos. Assim, eles assumiram o risco das mortes ocorrerem.
Os delitos foram praticados por motivo torpe, uma vez que a comunidade terapêutica, a fim de angariar maior lucro, disponibilizava tratamento terapêutico em afronta às normas pertinentes e fornecia reduzida estrutura de recursos humanos e de imediato atendimento aos internos. O aumento de lucro decorrente favorecia a todos os denunciados, que eram remunerados por suas funções. As mortes e tentativas de homicídio foram cometidas mediante meio cruel, com o emprego de fogo e a produção de asfixia nas vítimas. Os crimes foram praticados por recurso que dificultou a defesa das vítimas, uma vez que os ofendidos encontravam-se trancafiados.