Santiago recebe Semana do Ministério Público
Estudantes, autoridades, representantes de entidades e comunidade lotaram o salão do Círculo Militar em Santiago para participar das atividades da Semana do Ministério Público, realizada pela primeira vez no município, junto à Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI) e à Associação do Ministério Público (AMP). O encontro, prestigiado por mais de 200 pessoas, teve como tema “Os Rumos do Processo Penal Brasileiro”, como propósito de abordar desafios dos operadores do Direito neste campo de atuação. As atividades aconteceram na noite desta quarta-feira, 20.
“Esta é uma oportunidade ímpar de aproximação ainda maior do Ministério Público com a sociedade, em especial a comunidade acadêmica”, destacou a coordenadora do Centro de Apoio da Infância e da Juventude, Maria Ignez Franco Santos, na abertura do evento. A Procuradora, que representou a Procuradora-Geral de Justiça no evento, salientou ainda a relevância do debate: “Não se pode negar que o Brasil vive uma crescente criminalidade, o que faz do processo penal um tema que merece reflexão”. Para Maria Ignez, a participação de jovens acadêmicos também é fundamental na discussão, “porque é através da juventude, das faculdades de Direito e de toda população que poderemos refletir em busca de um país melhor”.
A maior aproximação do MP com a sociedade também foi destacada pelo vice-presidente da Associação do Ministério Público (AMP), Maurício Trevisan, como um dos objetivos e resultados da Semana do MP, “para que as pessoas saibam não apenas o que é ou o que faz o Ministério Público, mas também quem são os Promotores de Justiça e qual seu papel”. Ele também falou da importância da interiorização das atividades da Semana do MP, anteriormente realizadas nas maiores comarcas. Segundo ele, levar o evento para cidades menores oportuniza que mais pessoas tenham acesso aos debates proporcionados nas atividades.
O DEBATE SOBRE OS RUMOS DO PROCESSO PENAL
Por mais de uma hora, o palestrante convidado da noite, promotor de Justiça aposentado e professor da Universidade Federal de Pelotas (Ufpel) José Fernando Gonzales, prendeu a atenção do público presente. O tema da manifestação instiga, pois afeta toda população. “A lei, e com ela os órgãos de segurança, existem para atender às nossas necessidades. Quando mudamos as leis, o fazemos na expectativa de mudar nossas vidas”, lembrou, no início da explanação, Gonzáles. Assim, disse ele, “o processo existe, ou deveria existir, para beneficiar a todos nós. Se não for feita para nosso benefício, será uma lei errada”.
Ele fez, assim, um breve histórico do Direito Penal, o crescimento de sua relevância e as mudanças na legislação exigidas por modificações na própria sociedade. “Por que estamos na janela dos jornais todos os dias? Porque estamos experimentando no país doses cavalares de insegurança. Matamos mais do que em qualquer guerra. No ano passado foram 60 mil mortes no Brasil”, disse ao questionar até que ponto os operadores e acadêmicos de Direito estão dando ao assunto a devida importância e avançando na discussão sobre o tema. E, para ele, parte da solução para o problema da violência e da criminalidade passa pelo Direito Penal.
O palestrante destacou o que, na opinião dele, são distorções da lei, lembrando que a impunidade ou suavidade da pena nos casos de crimes graves e mesmo nos chamados crimes de colarinho branco levam o Direito Penal a perder o efeito de “freio do comportamento”. “O Direito Penal tem que funcionar como um instrumento de temor. Porque se não houver temor, perderá seu efeito pedagógico. Tem que ser um elemento cultural na sociedade. E isso nós temos que discutir. Não defendo um Direito Penal mais rigoroso, mas sim um Direito Penal mais razoável”, reiterou.
A partir dessa realidade falou sobre o processo penal, instrumento de garantias. “Ele deve ser garantista não por conta dos criminosos, mas por todos nós, porque um dia poderemos ser réus. Porque os representantes do Estado, da Justiça, são humanos, e humanos erram, além de ser necessário impedir que se cometa qualquer espécie de arbítrio sobre o indivíduo”.
O professor de Direito Penal da Ufpel ressaltou e apontou críticas às alterações feitas por legisladores ao processo penal, sem deixar de abordar a necessidade de maior eficiência nas investigações e o problema da superlotação nas penitenciárias, as duas pontas do processo penal: “O futuro do processo terá que passar por investimentos nas estruturas de investigação. Na outra ponta, investir no sistema carcerário, que, no Brasil, é um dos piores”. Questionou, assim, a real necessidade de alterações na lei uma vez que as mudanças urgentes demandam, na realidade, recursos financeiros, “na esfera criminal e também na esfera do judiciário”.
Ao final, Gonzales deixou um recado para os estudantes de Direito: que levem a discussão desses temas para a sala de aula, uma vez que, para ele, não adiantam modificações pontuais, como soluções paliativas. “O processo penal é a bola da vez. Vamos caminhar para um novo processo penal, mais e mais garantista. Porque não é a quebra de garantias individuais que vai mudar as coisas. Temos que insurgir, na faculdade, contra qualquer discurso de quebra de prerrogativas. Nossos problemas são estruturais e não garantistas”.
Para concluir, o mediador, promotor de Santiago Daniel Cozza Bruno, finalizou afirmando que “o MP é o lugar de ouvir as pessoas, auxiliá-las. Conviver com a sociedade e servir ao cidadão brasileiro”. Diversas autoridades compareceram, entre elas a professora Michele Beltrão, representante do Diretor-Geral da URI; a secretária Municipal de Desenvolvimento Social, Sônia Maria Rizatto Ruberti; o presidente da Câmara Municipal de Vereadores de Santiago, Davi Vernier; os promotores de Justiça Claudio Antonio Estivallet Junior e Luiz Antônio Barbará Dias; a defensora Pública de Santiago, Caroline Ribeiro Rodrigues; a coordenadora do curso de Direito da URI, Adriani Damian Pereira; a vice-presidente da OAB subseção de Santiago, Eveline Simões, a juíza do Trabalho, Bernarda Núbia Toldo; a juíza Federal Cristiani Frerier Certon, entre outros.