Justiça Restaurativa: uma proposta
A Justiça Restaurativa viabiliza a democratização dos processos de tomada de decisão ao possibilitar o diálogo entre as partes envolvidas para que decidam juntas a melhor solução para o conflito. O objetivo é que “o agressor veja o ser humano que há na vítima, e que esta perceba a realidade do agressor”, explica a promotora de Justiça Cleonice Aires que articula o projeto no Município, em conjunto com o Juiz Dalmir Franklin de Oliveira Junior e a coordenação da FASE.
Passo Fundo será a primeira cidade do interior do Estado a receber o projeto da Justiça Restaurativa, que já é aplicada em quatro capitais do Brasil através de projetos piloto. Uma delas Porto Alegre, onde atua Leoberto Brancher, juiz da 3ª Vara da Infância e da Juventude, que ministrou a aula inaugural.
Profissionais das áreas do direito, educação, psicologia e assistência social constituem os cerca de 70 inscritos para o curso que prossegue até a metade de novembro, com aulas às sextas-feiras. O objetivo do estudo é qualificar lideranças para que o projeto seja implantado no Município.
Lançar um olhar atento para cada um dos sujeitos envolvidos é parte fundamental do propósito restaurativo. Através dessa ótica o crime é considerado uma agressão ao indivíduo, a vítima é considerada em suas particularidades; diferente do que ocorre no sistema tradicional de Justiça, que considera a transgressão um atentado à sociedade, sem focar-se no ser humano lesado. Nos círculos restaurativos (como são chamadas as reuniões entre as partes) os familiares, os amigos e a comunidade relacionada aos envolvidos diretos, podem expor seus pontos de vista e influir na decisão final.
Durante a aula na última sexta-feira, 10, acerca dos “Subsídios das Nações Unidas sobre Justiça Restaurativa”, o ministrante Afonso Armando Konzen, procurador de Justiça, ressaltou que a participação é voluntária e que o desenvolvimento do trabalho restaurativo tende à informalidade sendo que “o ideal é que o círculo ocorra antes da judicialização”, evitando assim uma resposta de natureza penal à infração.
“O foco é compreender as conseqüências do dano causado e buscar formas para minimizá-lo”, afirmou Brancher. “É uma proposta de mudança no modelo de responsabilidade, trazendo o olhar para a pessoa da vítima e colocando o acusado em uma condição mais humana para que ele compreenda a dor que causou”, complementou o Juiz. Através desta perspectiva a vítima tem a oportunidade de expressar o seu entendimento de justiça – que muitas vezes difere do convencional – e, conseqüentemente, sentir-se satisfeita, na medida em que interfere no destino do agressor e também ajuda a conduzir a reparação (quando isto é possível) do prejuízo sofrido.
Konzen ressaltou a importância do Ministério Público atuar como incentivador e intermediador do sistema restaurativo. O procurador apresentou ainda um paralelo entre as diferenças do viés retributivo para a proposta restaurativa e revelou que defendia as práticas que estimula a responsabilidade e autonomia dos envolvidos para que os problemas sejam resolvidos de forma colaborativa. “É uma proposta de pacificação social” e que, de acordo com Brancher, “pode proporcionar uma reforma ética”.
A aplicação da Justiça Restaurativa, requer uma equipe multidisciplinar que atue na mediação do diálogo, aplique práticas terapêuticas e auxilie na condução da reabilitação do agressor e também no cumprimento das medidas. Nova Zelândia e África do Sul são alguns dos países que implementaram a Justiça Restaurativa e já obtiveram resultados positivos. De acordo com as pesquisas a reincidência dos jovens infratores atendidos pela JR tende a ser cerca de 1/3 menor.
Em Passo Fundo, estudantes e professores dos cursos de direito, psicologia e filosofia já discutiam e analisavam as práticas restaurativas através de um grupo de estudos que desde março deste ano se debruça sobre o tema. Mais um estímulo para trazer o projeto à cidade, sendo que não só existe a demanda por novas alternativas para a solução de conflitos, como também há o interesse e a disposição para que isso se realize.
Beatriz Aguinski, professora da Faculdade de Serviços Sociais da PUCRS, e Lúcia Capitão, assistente social da FASE serão as ministrantes das próximas aulas. (Por Amanda Schneider de Arruda)