Ação do Ministério Público é exemplo
Uma ação realizada pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul serviu de exemplo, em livro lançado recentemente, de como a infiltração policial pode ser aplicada. Abordando a temática do crime organizado e seus limites conceituais, assim como os instrumentos legislativos criados com o fim de reprimi-lo, a obra Crime Organizado - Medidas de Controle e Infiltração Policial, de autoria de Rafael Pacheco, da Juruá Editora, trata da infiltração de agentes policiais - the undercover agent - como procedimento de investigação, trazendo questões controvertidas como a aplicabilidade do instituto, seu valor probatório e responsabilidade do agente infiltrado.
CASO CONCRETO
Na última parte do livro, como fator coadjuvante à reflexão teórica, a proposta foi analisar um caso concreto, tendo sido eleita para tanto a Operação Lagarta. Promovida pela Promotoria Especializada Criminal, na pessoa do promotor de Justiça Frederico Schneider de Medeiros, a Operação Lagarta - batizada com esse nome em conotação à praga que destrói lavouras de soja – desarticulou, em setembro de 2005, uma organização criminosa arquitetada especificamente para a promoção, em caráter empresarial, de crimes de estelionato e lavagem de dinheiro, procedendo-se ao seqüestro de ativos, avaliados em mais de quatro milhões de reais.
Para tanto, Rafael Pacheco, que é Policial Federal com atuação no Espírito Santo, pós-graduado em Direito Penal Econômico Internacional pelo IBCCrim da Universidade de Coimbra e mestre em Políticas Públicas e Processo pela Faculdade de Direito de Campos (RJ), visitou a Promotoria Especializada Criminal, realizando entrevista com o Promotor de Justiça responsável pela coordenação da Operação Lagarta. Os Anexos da obra estampam cópia integral do requerimento do Ministério Público referente à infiltração de agente policial, com omissão de nomes de pessoas e locais. “Definitivamente a infiltração policial não é uma ação simples e corriqueira, tanto é que após contato com os setores responsáveis pela comunicação do STF, STJ, bem como com o 2º TRF, além de algumas das Varas Criminais das capitais de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, somente neste último houve resposta positiva quanto à aplicação de infiltração de agentes. A representação foi proposta pela Promotoria Criminal Especializada de Porto Alegre”, ressaltou o autor.
INEDITISMO
Rafael Pacheco relata, na obra, que a infiltração policial foi considerada inédita no âmbito do Ministério Público e do Poder Judiciário do Rio Grande do Sul. No caso analisado, um policial permaneceu seis meses “trabalhando” em uma empresa, o que lhe possibilitou tirar fotos e observar o cotidiano até se chegar aos suspeitos que ocupavam as funções dentro da organização criminosa. Para evitar a revelação da real identidade do agente infiltrado e garantir a sua integridade, foram tomadas medidas de lastro, como a “criação” de uma empresa de consultoria para a qual trabalharia o agente, cartões de visita, locação de imóvel para reuniões sociais, dentre outras. Mediante autorização judicial, foram confeccionados documentos falsos com o nome utilizado pelo policial, também foi criado e-mail profissional e designados outros policiais para manter sua segurança quando de seus encontros com os integrantes da quadrilha. De acordo com o autor, no decorrer da ação e com base nas informações repassadas ao Promotor, “lançou-se mão de uma série de instrumentos jurídico-legais colocados à disposição dos órgãos de persecução penal, como captação ambiental de sinais óticos e acústicos, interceptação telefônica e telemática, acesso a informações de operações financeiras, ação controlada, quebra de sigilo fiscal, busca e apreensão, seqüestro de bens, e por fim a prisão temporária. Vale salientar que o procedimento investigativo foi integralmente judicializado e que ao tempo do encerramento deste livro a defesa não questionou absolutamente nada acerca da infiltração realizada”.
ORGANIZAÇÃO NA INFILTRAÇÃO POLICIAL
Rafael Pacheco recomenda que as instituições envolvidas na repressão às organizações criminosas precisam, para dar resultado e respeitar a legalidade, antes de tudo, de organização. Defende ainda que “o rígido controle da infiltração de agentes policiais deriva da construção democrática na qual a sociedade brasileira estabeleceu alguns princípios inalienáveis a que todos, inclusive o Poder Judiciário, o Ministério Público e a polícia, estão sujeitos. O direito à privacidade é um deles. Não se concebe a autorização de infiltração de forma simplista, pois, ao contrário, deve ser usada de modo extremamente seletivo, sob fato determinado de maneira absolutamente cristalina e como exceção, jamais como regra, avaliando-se cuidadosamente a possibilidade de ferimento dos envolvidos, danos à propriedade, perda financeira de pessoas ou empresas, responsabilidade civil para o Estado, invasão de interesses constitucionais ou outros interesses legais, além do risco de envolvimento do policial na conduta ilegal que se quer debelar”.
INFILTRAÇÃO PROFUNDA
Para o Promotor de Justiça Frederico Schneider de Medeiros, “diante do crescente poder econômico das organizações criminosas, que rompem com a paz social, maculam a moralidade dos atos administrativos, corrompendo as estruturas do Estado, lançando mão de aperfeiçoadas táticas criminosas, não resta dúvida de que a única solução para esgrimi-las é a utilização de técnicas mais sofisticadas de investigação criminal, como a da infiltração de agente policial na sociedade criminosa”. Agrega que “o emprego dessa técnica na Operação Lagarta revelou-se um sucesso, uma vez permitiu a obtenção de informações sobre a rotina da organização criminosa, modus operandi [modo de operação], seus integrantes, sua estrutura organizacional e suas ramificações”.
O Promotor salienta que a infiltração levada a efeito na Operação Lagarta se tratou de “uma deep cover (infiltração profunda), que se contrapõe à light cover, considerando a duração da medida, a assunção de identidade falsa pelo agente policial, sua total imersão no meio criminoso, redundando, inclusive, ao cabo da medida, em pagamento, pelos criminosos, ao agente policial da Força-Tarefa da Promotoria Especializada Criminal, da quantia de R$ 15 mil, como preço de seu silêncio acerca das atividades da organização criminosa, numerário que foi recolhido incontinente à conta bancária indicada pelo Juízo Criminal”.
Na Operação Lagarta, cinco homens foram presos pela Força-Tarefa do Ministério Público. Os trabalhos contaram com mais de 20 agentes e o reforço de policiais do Batalhão de Operações Especiais da Brigada Militar. Foram apreendidos seis carros e um caminhão, dois revólveres e uma espingarda, uma central clandestina de telefone, talões de notas fiscais e contratos de compra e venda de imóveis. Também foram seqüestrados seis imóveis.