Projeto acaba com protesto por novo júri
Entre os projetos do Governo Federal contidos no pacote antiviolência e que serão examinados e votados no Senado Federal, está o que altera as regras do júri popular. A idéia é modernizar e tornar o rito do Tribunal do Júri mais ágil. Dentre as modificações previstas está a instrução do processo em no máximo 90 dias, o fim do libelo - com a acusação sendo feita com base na pronúncia - e a limitação da leitura de peças requerida pela acusação e defesa em duas horas para cada parte. Os projetos, na prática uma reforma do Código de Processo Penal, são conseqüência da mobilização política que se seguiu, principalmente, após o assassinato do menino João Hélio Fernandes, em fevereiro, no Rio de Janeiro. A meta é converter as propostas em lei até o final deste ano.
PROTESTO
A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado apreciou e aprovou, recentemente, o parecer do senador Demóstenes Torres sobre as novas normas de júri popular. O relator do Projeto de Lei Complementar 20/07 quer acabar, por exemplo, com o chamado protesto por novo júri quando o réu é condenado a uma pena igual ou superior a 20 anos. A defesa e o Ministério Público podem recorrer, mas apontando ilegalidades no processo para terem direito a um novo julgamento. A medida evitaria situações como a ocorrida no ano passado, em Santa Rosa. O réu que tirou a vida do promotor de Justiça Marcelo Küfner foi levado a novo júri porque a pena aplicada no crime de homicídio ultrapassou 20 anos de reclusão. Ao ouvir a sentença seu defensor protestou na hora, pedindo outro júri.
JURADOS
O projeto que altera dispositivos do Código de Processo Penal traz novidades para simplificar o Tribunal do Júri. A proposta que tramita no Senado aumenta de 21 para 25 o número de jurados para a reunião do júri que, depois, sorteará os sete que comporão o Conselho de Sentença. Também retira meia hora dos tempos da acusação e defesa – atualmente é de duas horas para cada manifestação – concedendo meia hora a mais à réplica e à tréplica. Hoje, o Promotor e o Advogado têm apenas meia hora para confirmar suas teses e convencer os jurados. O projeto ainda altera substancialmente a quesitação e dá opção do acusado preso requerer dispensa de comparecimento à sessão de julgamento. Mas mantém a incomunicabilidade dos jurados e a sala secreta. O Tribunal do Júri foi instituído no País em 1822. É convocado somente em casos de crimes dolosos contra a vida.
LEIGOS
O procurador de Justiça Marcelo Ribeiro, que atua junto à 2ª Câmara Criminal do TJE, mas que durante 18 anos representou o Ministério Público no plenário da 2ª Vara do Tribunal do Júri de Porto Alegre, disse que no rol dos isentos para o serviço do júri estão os Magistrados, membros do Ministério Público e da Defensoria Pública. Portanto, pergunta: “por que não os advogados? Isso viabilizaria um tratamento mais isonômico”. Ele também lamenta a tolerância do julgamento sem a presença do réu. Diz que tem ele o direito de calar, assegurado pela Constituição Federal. Todavia, como será julgado por um conselho formado por leigos, que o farão sem fundamentar sua decisão, “sua ausência significará, na grande maioria dos casos, sua condenação”, frisou Ribeiro, observando que, hoje, já acontece do réu ser condenado por recusar-se a depor no plenário do júri.
QUESITAÇÃO
A forma de quesitação atual também deveria ser mantida, opinou Marcelo Ribeiro. Na sua avaliação, “complicaram a apuração da convicção dos jurados”. Entende ser lamentável a seguinte pergunta: “O jurado absolve o acusado?”, uma vez que a ação penal é condenatória. E indaga: “se diante de uma acusação por tentativa de homicídio a tese do réu for insuficiência da prova para condenar, a excludente de ilicitude da legítima defesa e desistência voluntária, e a resposta do jurado à pergunta for afirmativa? Os jurados absolveram por insuficiência probatória, por legítima defesa ou desclassificaram pela desistência voluntária?”. E continua: “se o réu apresentar tese de legítima defesa e, alternativamente, de excesso culposo, como terão de agir os jurados se quiserem reconhecer o excesso, já que somente poderão responder que absolvem ou não, o réu?”, ilustrou.
ACUSAÇÃO
O Procurador de Justiça salienta que a idéia de simplificar a quesitação, “ditada por desejo compulsivo de reformar”, subverteu a ordem natural e lógica da indagação que visa recolher, com a máxima fidelidade possível, a convicção dos juízes de fato. “Os autores do projeto esqueceram que está em jogo a vida, a morte, a prisão, a liberdade e a paz social”, enfatizou Ribeiro questionando: “se os autores do projeto regularam o tempo da manifestação do assistente de acusação na instrução preliminar, por que não o fizeram para atuação em plenário?”. Ele critica que no projeto permanece a terminologia juridicamente inadequada de “acusador”. Diante disso pergunta: “a divisão do tempo ocorrerá quando houver acusador particular ou assistente de acusação?”.
ESTRATÉGIA
Por outro lado, Marcelo Ribeiro vibra com o término do recurso de protesto por novo júri. “O protesto impunha-se em face do Código Criminal do Império cominar a pena de morte, justificando a revisão obrigatória do julgamento”, explicou. Nos tempos modernos, a supressão já foi sustentada por Borges da Rosa e pelo mais fervoroso defensor do tribunal popular: o magistrado Magarinos Torres, que, presidindo durante tantos anos o Júri do Rio de janeiro, “taxou este recurso de supérfluo e inconveniente”, sublinhou. Quanto ao aspecto da pena justa, Ribeiro reconhece que, embora condenados por homicídio com mais de uma qualificadora, “muitos réus são beneficiados com a pena de reclusão inferior a 20 anos. Tal estratégia tem o claro objetivo de impedir o novo júri que se realizará mediante simples petição”.
CRÍTICAS
O promotor de Justiça Luís Antônio Portela, que atua na 1ª Vara do Tribunal do Júri da Capital, comentou que o projeto original, de autoria da professora Ada Pelegrini Grinover e equipe, “inviabilizava o Tribunal do Júri”. Mas alterações apresentadas pelo senador Demóstenes Torres trouxeram o processo para um plano exeqüível, “ainda que merecendo pesadas críticas”. Portela assinala estar expresso em um dos artigos que numa única audiência serão ouvidas as testemunhas arroladas pelo Ministério Público e defesa, ocorrerão esclarecimentos de peritos, realizadas acareações e, após, será interrogado o réu. “É evidente que, por nossa experiência diuturna no Júri, é inviável a oitiva de todas as testemunhas num único dia”.
PREJUÍZO
Na mesma senda, o Promotor entende ser inquestionável o prejuízo para a acusação no caso do interrogatório do réu incidir após a ouvida das testemunhas. “Ora, o réu, presente ao ato, podendo sopesar todos os depoimentos, somente será interrogado ao final? Gize-se que a defesa comumente utiliza artifícios para que as testemunhas não sejam notificadas, o que redundará na necessidade de mais de uma audiência para que seja colhida toda a prova testemunhal”, argumentou Portela, dizendo que o réu deveria ser interrogado antes da oitiva das testemunhas, conforme o atual texto legal.
TESTEMUNHAS
O artigo prescrevendo que o procedimento deverá findar no máximo em 90 dias, é outro ponto que Portela acha impossível de se realizar, “por mais diligente que seja o magistrado, em razão dos inúmeros problemas que temos em encontrar as testemunhas, principalmente as arroladas pelo Ministério Público, ainda mais na Capital, quando a maioria dos homicídios têm vinculação com o tráfico de drogas”. Na Europa, quando houver réu preso e o processo for complexo, o prazo máximo de duração da instrução pode ser de até quatro anos, comparou o Promotor, dizendo ser inadmissível que no Brasil, “com todos os problemas que temos, o prazo seja reduzido para 90 dias”. O resultado será a liberdade de réus perigosos pela extrapolação do prazo, acredita Portela, considerando “um verdadeiro absurdo a limitação temporal expressa no texto do projeto”.
NULIDADES
No tocante à quesitação: “o jurado absolve o acusado?”, o Promotor também entende que a pergunta deveria obedecer à lógica processual e dar-se da seguinte forma: “o jurado condena o acusado?”. Ele salientou problemas advindos da quesitação quando a tese defensiva for, por exemplo, desclassificação para outro crime. “Os jurados dizem que o réu é culpado pelo crime em julgamento, depois serão questionados a respeito do cometimento de outro crime?”, indagou. Portela acha que a forma de quesitação atual tem levado a muitas nulidades, principalmente pela postura estritamente formalista dos Tribunais Superiores. “O projeto acarretará, se não for ajustado, inúmeras outras nulidades”, garantiu.
PROCEDIMENTOS
Pelo projeto, os apartes requeridos serão acrescidos no tempo do orador, na razão de até três minutos por aparte. “Cuida-se de outra alteração írrita, que limita os debates, contrariando a própria gênese do Tribunal do Júri”, disparou Portela que aponta algumas alterações como positivas: “término do protesto por novo júri, exclusão do libelo, limitação do tempo para leitura de peças e a possibilidade do julgamento com ausência do réu”. No entanto, o Promotor entende que as alterações propostas “não agilizarão os procedimentos do júri, pelo contrário, acarretarão inúmeras dificuldades no cumprimento dos prazos exíguos, levando a interpretações jurisprudenciais liberais, revogando-se prisões preventivas de réus perigosos e aumentando a violência em nosso País”.