Transexualismo em debate
“A decisão da Justiça Federal atendeu a expectativa de um significativo número de pessoas que possuem uma anomalia catalogada como doença, porque é a cirurgia que permite que o transexual se identifique com seu sexo psicossocial, que não corresponde ao seu sexo anatômico”. A opinião é da procuradora de Justiça Maria Ignez Franco Santos, que atua perante à 8ª Câmara Cível do TJE, ao comentar recente decisão do TRF que favorece os transexuais.
Maria Ignez é uma das autoras do livro “Estudos sobre o Direito das Pessoas”, lançado pela Editora Almedina. A obra reúne relatórios elaborados no curso de mestrado feito na Faculdade de Direito de Coimbra. Ela disserta sobre “A Identidade Pessoal e a Cirurgia de Redesignação de Sexo”, onde analisa o direito a identidade pessoal do transexual. O estudo foi motivado há dois anos, em decorrência da necessidade de oferecer parecer em um recurso interposto por um transexual que queria alterar seu sexo do assento do registro civil.
AÇÃO
Embora a cirurgia não vá alterar o sexo cromossômico, “surge como solução eficaz de auxílio à configuração sexual da pessoa segundo a sua identificação psicológica ou social”, entende a Procuradora de Justiça. Mas o debate sobre a questão do transexualismo está aberto. Tudo porque a Justiça Federal deu prazo para que o Sistema Único de Saúde inclua na sua lista de procedimentos cirúrgicos a operação de mudança de sexo. A decisão da 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região abrange todo o território nacional. O assunto foi objeto de uma ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal contra a União.
PRINCÍPIOS
O MPF sustentou que possibilitar a cirurgia para transexuais pelo SUS é um direito constitucional, que abrange os princípios do respeito à dignidade humana, à igualdade, à intimidade, à vida privada e à saúde. Em primeira instância, a ação foi extinta sem o julgamento do mérito sob argumento de impossibilidade jurídica do pedido. O MPF apelou então ao TRF.
VOTO
Em seu voto, o relator do caso, Roger Raupp Rios, frisa que “a partir de uma perspectiva biomédica, a transexualidade pode ser descrita como um distúrbio de identidade sexual, no qual o indivíduo necessita alterar a designação sexual, sob pena de graves conseqüências para sua vida, dentre as quais se destacam o intenso sofrimento, a possibilidade de auto mutilação e de suicídio”.
CASO
O primeiro caso de cirurgia de mudança de sexo legalmente autorizada no País ocorreu em 1998. O paulista “Bianca” Magro conseguiu autorização judicial para fazer a cirurgia depois do Conselho Federal de Medicina ter regulamentado, em setembro de 1997, esse tipo de operação como um procedimento clínico legal. Além de trocar o sexo, “Bianca” ainda ganhou 135 miligramas de silicone em cada seio.
HOSPITAL
O Hospital de Clínicas de Porto Alegre é centro de referência nesse tipo de atendimento. Um convênio com o Governo gaúcho permitiu a realização de aproximadamente 60 cirurgias desde 2001. Cerca de 80% dos pacientes são pessoas que nasceram com características físicas masculinas, mas vêem a si próprios como mulheres. Atualmente, aproximadamente 30 homens e mulheres aguardam para fazer a cirurgia.
IDENTIDADE
Maria Ignez sustenta que o direito a identidade pessoal se insere entre os direitos fundamentais. E a identidade sexual é um direito pessoal. “Se um indivíduo possui um sexo anatômico que não corresponde com a expressão da sua identidade e o perturba, precisa se adequar ao sexo social”, sublinha a Procuradora de Justiça. E a cirurgia permite isso.
DIREITOS
No atual momento histórico de afirmação dos direitos da pessoa e das liberdades fundamentais, Maria Ignez ressalta que a questão da transexualidade precisa ser enfrentada pelo Direito. “É necessário que o tema seja estudado com base na multidisciplinaridade e os efeitos jurídicos dessas mudanças também precisam ser apreciadas”.