Jornada em Pelotas discute violência e exploração sexual contra crianças e adolescentes
Com o desafio de transformar compromissos e metas estabelecidas em audiências públicas anteriores em ações práticas no combate ao abuso sexual, foi aberto na manhã desta segunda-feira, em Pelotas, o primeiro de dez encontros programados para o Interior dentro da III Jornada Estadual contra a Violência e a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. O evento ocorreu no plenário da Câmara de Vereadores do município, que estava lotado. A III Jornada é organizada pela Assembléia Legislativa do Estado, Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho e Ministério Público do Rio Grande do Sul que, nas edições anteriores, foi um dos apoiadores.
No início deste mês, a Instituição firmou termo de cooperação técnica unindo-se aos esforços para realização da série de encontros com finalidade de buscar parcerias nas comunidades gaúchas para enfrentar os crimes sexuais contra crianças e adolescentes. A articulação desse trabalho, no âmbito do Ministério Público, foi desenvolvida pelo Centro de Apoio Operacional da Infância e da Juventude, coordenado pelo Promotor de Justiça Miguel Velasquez. A III Jornada, lançada oficialmente em maio deste ano, tem o apoio do Fórum Democrático de Desenvolvimento Regional e promoção de dezenas de entidades envolvidas com o tema.
REALIDADE
Chamando atenção para a realidade brutal a ser encarada quando o assunto é violência contra a infância e a juventude e para estatísticas alarmantes – a cada oito horas uma criança brasileira é vítima de abuso sexual – o evento mobilizou e sensibilizou pessoas preocupadas em estimular políticas a favor da infância. Na cerimônia de abertura, representando a Assembléia Legislativa do Estado, o Deputado Fabiano Pereira destacou as parcerias executadas com várias entidades e, principalmente, o papel do Ministério Público “em propor medidas e iniciativas importantes da defesa da criança e do adolescente”. A representante da Prefeitura de Pelotas, Cláudia Lamas, demonstrou a preocupação que o Executivo possui com essa violência que “precisa ser enfrentada com ações imediatas e profícuas”. A Vereadora Diosma Martinez Nunes, em nome da Câmara de Vereadores da cidade, falou da “terrível situação de crianças brasileiras” que necessitam ser protegidas. “Temos que derrotar números vergonhosos para o País e diminuir os índices de violência hoje apresentados”. Loreni de Freitas Silva, que representou a Secretaria Municipal de Educação, disse que “todos devem estar engajados nessa luta”. Jeferson Weber dos Santos, representante da Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho, salientou que o diagnóstico é de que “há muita coisa ainda a fazer para a engrenagem funcionar”. Referiu que a Jornada contribui no combate à violência e a exploração sexual de crianças e adolescentes, “mas tem que haver coragem e sabedoria no enfrentamento do tema e um trabalho forte na rede de proteção para melhores resultados”.
AÇÕES
O Coordenador do Gabinete de Articulação e Responsabilidade Social do Ministério Público, João Carlos Pacheco, frisou que o caminho para mudar esse panorama é “a criação de mecanismos inibitórios para conter a maldade”. Observou que um desses mecanismos seria através da lei e a punição. Porém, na sua avaliação, isso não basta. “É preciso consciência social, um olhar sensível sobre a violência e que tenhamos gestores públicos e a própria sociedade civil preparada para deter essa força causadora de sofrimentos”. O Coordenador do Centro de Apoio da Infância e Juventude, Miguel Velasquez, ressaltou que essa problemática deve ser enfrentada por todos, “inclusive repudiando toda e qualquer ação ou conotação que envolva questões de pedofilia e exploração sexual”. Após explicar que o Ministério Público procura agir “não como censor, mas dentro da ética”, Velasquez alertou que a Instituição “não está inerte e uma de suas ações prioritárias é o combate à violência e exploração sexual de crianças e adolescentes”. Miguel Velasquez também foi enfático: "o que as nossas crianças menos precisam são de pessoas que chorem por elas, mas que façam por elas, através de ações efetivas no combate à violência e exploração sexual”.
ABUSOS
Ao abordar esse tema em sua palestra, a médica Joelza Mesquita Andrade Pires, do Serviço de Proteção à Criança da Ulbra, sublinhou que trabalhar somente o lado da criança não adianta. “O ideal é trabalhar com a família para dar suporte e proteção às crianças”. Joelza disse que o abuso sexual é um problema mundial de saúde pública e as meninas são as vítimas mais freqüentes. “A cada quinze segundos uma mulher é vítima de violência”, contou, dizendo que meninas e mulheres estupradas e abusadas sexualmente, “são meninas e mulheres assassinadas, pois morre a confiança no homem, na sociedade, destruindo a sua integridade física, emocional e social”. Dentre as formas de abuso, o incesto é o mais comum. Muitas meninas são abusadas dentro de casa, apontou Joelza, entendendo ser preciso “mais efetividade das leis para punir pedófilos”.
PROGRAMAS
Expondo a realidade local, o professor do Colégio Municipal Pelotense, Ubirajara Velasco, falou dos tipos de violência e da criminalidade que envolve jovens entre 15 e 24 anos, “geralmente moradores nas periferias e com baixa escolaridade”. A Conselheira Tutelar Luciane Almeida, referiu o resgate de compromissos e programas realizados para combater a violência contra crianças e adolescentes. Gisele Scobernatti, que pertence ao Núcleo de Atendimento da Criança e o Adolescente – NACA, abordou programas implantados na cidade, como o Sentinela, e apresentou o perfil dos abusadores. Na sua visão, a violência contra crianças “tem o condão muito forte da cultura e da história”. O Promotor de Justiça José Olavo Bueno dos Passos discorreu sobre casos de pedofilia e tortura em que o Ministério Público atuou. Apesar de achar que Pelotas “tem uma realidade diferenciada, por possuir uma rede de proteção muito ativa”, José Olavo apresentou números do NACA colhidos em 2003. Um deles mostra que a violência no plano do abuso sexual chegou a 48%.
INQUIRIÇÃO
A Promotora de Justiça Veleda Maria Dobke, que atua na Capital, tratou o tema da inquirição da criança vítima de abuso sexual e sua importância no processo. Explicou que nesses crimes, às vezes, o depoimento da vítima é a única prova. “E ouvir uma criança abusada sexualmente não é tarefa fácil, ainda mais em juízo”. No caso de abusos, muitas vezes as crianças são ameaçadas física e psicologicamente. Veleda frisou que um estudo realizado em 1999 mostrou que os operadores do Direito tinham dificuldades para inquirição de criança vítima abusada sexualmente, também pela falta de estrutura e ambiente. “Ouvir uma criança não é o mesmo que ouvir um adulto”, contou. “É necessário preparo técnico emocional e muita sensibilidade”. Por isso, sugeriu que um profissional capacitado pudesse ouvir essa criança. A idéia foi acolhida pelo Juízo da Infância e da Juventude de Porto Alegre, que acabou idealizando a sala especial para ouvir a criança e “onde a palavra dela servirá para punir aqueles que praticaram crimes contra ela”.
RIO GRANDE
Na noite desta segunda-feira, os participantes da III Jornada visitam a cidade do Rio Grande. O encontro acontece às 19h, na Câmara de Comércio e Indústria. A fase de interiorização estende-se até outubro. Pelo cronograma, ainda serão percorridos os municípios de Santa Maria, Passo Fundo, Guaporé, Novo Hamburgo, São Leopoldo, Santo Ângelo, Cruz Alta e Montenegro, até chegar em Porto Alegre. A Jornada Contra a Violência e a Exploração Sexual teve sua primeira edição em 2003, com o objetivo de sensibilizar a sociedade em torno do tema através do debate e disseminação de informações sobre violência sexual contra crianças e adolescentes. Em 2004, a Jornada assumiu como meta o fortalecimento das redes de proteção e atendimento à infância e juventude para reduzir as estatísticas de violência. Neste ano, as propostas são colocar compromissos em prática e realizar eventos em novos municípios para que incluam esse debate em suas agendas com propósito de garantir os direitos da criança e do adolescente.
(Jorn. Marco Aurélio Nunes/de Pelotas).