RECOMENDAÇÃO N. 05/2021 - PGJ
Dispõe sobre a atuação judicial e extrajudicial do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul nas demandas de saúde.
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA, MARCELO LEMOS DORNELLES, no exercício de suas atribuições legais, especialmente daquelas previstas no art. 10, inc. XII, da Lei Federal n. 8.625/93, e no art. 25, inc. XX e LII, da Lei Estadual n. 7.669/82 e,
CONSIDERANDO que a Constituição Federal, em seu artigo 127, incumbiu ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis;
CONSIDERANDO que a saúde, inscrita no artigo 6.º da Constituição de 1988 como um direito social, é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas econômicas e sociais, nos termos do artigo 196 da Carta Republicana;
CONSIDERANDO que, de acordo com o artigo 198 da Constituição Federal, a atenção a esse direito se faz por meio de uma rede regionalizada e hierarquizada, que se constitui em um sistema único, organizado com descentralização e direção única em cada esfera de governo, atendimento integral com prioridade para as ações preventivas e participação da comunidade;
CONSIDERANDO que o Sistema Único de Saúde (SUS) foi organizado a partir da Lei Orgânica da Saúde, Lei Federal n. 8.080/1990, que estabeleceu em seu artigo 2.º ser a saúde um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu exercício;
CONSIDERANDO que o artigo 19-Q da Lei Federal n. 8.080/1990 determina que a incorporação, a exclusão ou a alteração pelo Sistema Único de Saúde (SUS) de novos medicamentos, produtos e procedimentos, bem como a constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, são atribuições do Ministério da Saúde, assessorado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC);
CONSIDERANDO que o Decreto Federal n. 7.508/2011 regulamenta a Lei Federal nº 8.080/1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde (SUS), o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa;
CONSIDERANDO a edição do Tema 793[1] pelo Supremo Tribunal Federal que dispõe sobre a competência da autoridade judicial, diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, direcionar, caso a caso, o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro;
CONSIDERANDO que o aludido Tema 793 do Supremo Tribunal Federal estabelece, outrossim, que as ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) deverão, necessariamente, ser propostas contra a União;
CONSIDERANDO a necessidade de aumento da organização e da transparência das listas de espera para consultas, exames, procedimentos e cirurgias eletivas do Sistema Único de Saúde (SUS) e para o aperfeiçoamento da Regulação da Saúde nos Estados e Municípios;
CONSIDERANDO a possibilidade de acesso aos sistemas de Gerenciamento de Marcação de Consultas (GERCON) e de Gerenciamento de Internações (GERINT), permitindo aos membros do Ministério Público a devida consulta às listas de espera para especialidades médicas/consultas e internações, bem como aos sistemas oficiais do Complexo Regulador da Saúde no Estado;
CONSIDERANDO que o Código de Processo Civil dispõe que o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos, bem como que a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial (artigo 3.º, parágrafos 2.º e 3.º, do Código de Processo Civil);
CONSIDERANDO a Resolução n. 118/2014 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que dispõe sobre a Política Nacional de Incentivo à Autocomposição no âmbito do Ministério Público, haja vista que a negociação, a mediação, a conciliação, as convenções processuais e as práticas restaurativas são instrumentos efetivos de pacificação social, resolução e prevenção de litígios, controvérsias e problemas e que a sua apropriada utilização em programas já implementados no Ministério Público têm reduzido a excessiva judicialização;
CONSIDERANDO a Recomendação n. 54/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que dispõe sobre a Política Nacional de Fomento à Atuação Resolutiva e estabelece que, sem prejuízo da respectiva autonomia administrativa, cada ramo do Ministério Público adotará medidas normativas e administrativas destinadas a estimular a atuação resolutiva dos respectivos membros e a cultura institucional orientada para a entrega à sociedade de resultados socialmente relevantes;
RESOLVE, resguardado o princípio da independência funcional, sem caráter vinculante, RECOMENDAR o seguinte:
Art. 1.° O membro do Ministério Público, nas ações de saúde (matéria de Direitos Humanos), intimado a se manifestar como órgão interveniente, observará:
I - se o medicamento, procedimento, tratamento ou insumo pedido está incorporado ao Sistema Único de Saúde (SUS), verificando qual o ente público (Estado ou Município) é responsável pela sua disponibilização, consultando a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais 2020 (RENAME[2]) e os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas[3] , direcionando a ação para o respectivo responsável;
II - se o medicamento foi prescrito por serviço do Sistema Único de Saúde (SUS) e se preenche os requisitos do artigo 28 do Decreto Federal n. 7.508/2011[4];
I – se o procedimento, tratamento ou insumo pedido está incorporado ao Sistema Único de Saúde (SUS), verificando qual ente público (Estado ou Município) é responsável pela sua disponibilização, consultando o Sistema de Gerenciamento de Procedimentos, Medicamentos e OPM do SUS, a Relação Nacional de Ações e Serviços de Saúde (RENASES), os Títulos II, III e VIII (Capítulos II e III) da Portaria de Consolidação/MS n.º 06/2017 e os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas, direcionando a ação para o respectivo responsável; (Redação conferida pela Recomendação n. 4/2024-PGJ)
II – a ocorrência de procedimentos repetitivos, priorizando a atuação coletiva extrajudicial junto ao ente público, por intermédio de mecanismos de autocomposição, tais como a negociação, a mediação e a conciliação. (Redação conferida pela Recomendação n. 4/2024-PGJ)
III - se o autor requereu o medicamento ao ente responsável pelo fornecimento e obteve negativa administrativa ou se não houve resposta em prazo razoável;
IV - a juntada de receituário médico, dosagem e posologia (em caso de medicamentos) com a observação da Denominação Comum Brasileira (DCB);
V - a ocorrência de procedimentos repetitivos, notadamente quanto ao funcionamento e operacionalização da assistência farmacêutica no âmbito do respectivo Município, priorizando a atuação coletiva extrajudicial junto ao ente público, por intermédio de mecanismos de autocomposição, tais como a negociação, a mediação e a conciliação. (Artigos revogados pela Recomendação n. 4/2024-PGJ)
Art. 2.º No que se refere a pedido não constante na Relação Nacional de Ações e Serviços de Saúde (RENASES), na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais 2020 (RENAME), nos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas e demais listas, ou seja, medicamentos e/ou tecnologias não disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), verificará:
a) na atuação extrajudicial: acolher e orientar o usuário do Sistema Único de Saúde (SUS), instruindo-o, até onde possível, ao atendimento pelo órgão que entender competente para a adoção das providências cabíveis, podendo ser o Juizado Especial Federal, a Defensoria Pública da União ou o Ministério Público Federal, uma vez que, conforme estabelecido pelo Tema 793[5] do Supremo Tribunal Federal, as demandas por medicamentos e/ou tecnologias deverão, necessariamente, ser propostas contra a União; e
Art. 2.º No que se refere a pedido não constante na Relação Nacional de Ações e Serviços de Saúde (RENASES), nos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas e demais listas, ou seja, tecnologias não disponibilizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), verificará:
(Redação conferida pela Recomendação n. 4/2024-PGJ)
a) na atuação extrajudicial: acolher e orientar o usuário do Sistema Único de Saúde (SUS), instruindo-o, até onde possível, ao atendimento pelo órgão que entender competente para a adoção das providências cabíveis, podendo ser o Juizado Especial Federal, a Defensoria Pública da União ou o Ministério Público Federal, uma vez que, conforme estabelecido pelo Tema 793 do Supremo Tribunal Federal, as demandas por tais tecnologias deverão, necessariamente, ser propostas contra a União; e
(Redação conferida pela Recomendação n. 4/2024-PGJ)
b) na atuação como órgão interveniente: a necessidade de deslocamento da competência para a Justiça Federal em face do Tema 793 do Supremo Tribunal Federal.
Art. 3.° No que tange ao tratamento em hospital ou serviço credenciado ao Sistema Único de Saúde (SUS) averiguará:
I - inicialmente, se o procedimento postulado (internação, exame, cirurgia, órtese, prótese ou materiais especiais) encontra-se na Relação Nacional de Ações e Serviços de Saúde (RENASES[6]), conforme artigo 21 do Decreto Federal n. 7.508/2011, pois, caso contrário, a responsabilidade será da União, a quem incumbe a elaboração das listas;
II - se o requerente teve seu pedido regulado pelo gestor, mediante inserção nos Sistemas de Tecnologia de Informação do Departamento de Regulação Estadual, quais sejam: Gerenciamento de Marcação de Consultas (GERCON), destinado ao acompanhamento das consultas especializadas; e de Gerenciamento de Internações (GERINT), destinado à regulação de leitos;
III - se o procedimento será adimplido pelo Sistema Único de Saúde (SUS), União, Estado e/ou Município, de modo que é responsabilidade do gestor indicar a instituição e os profissionais que o realizarão e não o postulante. Se o gestor, instado a se manifestar, não o fizer em prazo exíguo, poder-se-á adotar a indicação do autor;
IV - o motivo pelo qual a rede pública não disponibilizou a vaga, exigindo a comprovação de sua falta, ainda que por comunicação eletrônica, cabendo determinar ao gestor que providencie a vaga em estabelecimento vinculado ao Sistema Único de Saúde (SUS), mesmo que em outro Município, sempre que possível;
V - quando houver solicitação de bloqueio de valores, sempre com a apresentação de três orçamentos (no mínimo), se o pedido realizado tem como parâmetro a tabela do Sistema Único de Saúde (SUS), solicitando a demonstração de que procedimentos idênticos já foram custeados por particulares ou convênios em valores similares aos orçamentos no estabelecimento indicado pelo autor, comprovando já ter efetuado o procedimento por custo aproximado.
Art. 4.º O acolhimento de tutela de urgência (artigo 300 do Código de Processo Civil) é descabido se houver lei impedindo o seu deferimento, como no caso de medicamentos e de procedimentos não incorporados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), segundo os artigos 19-Q e 36, parágrafos 1.º e 2.º, da Lei Federal n. 8.080/1990, a Lei Federal n. 6.360/1976 e o Decreto Federal n. 7.508/2011.
Art. 4.º Em caso de demandas envolvendo medicamentos, incorporados ou não, devem ser observadas as teses de repercussão geral n.º 6, 500 e 1234, bem como as Súmulas Vinculantes n.º 60 e 61, editadas pelo Supremo Tribunal Federal. (Redação conferida pela Recomendação n. 4/2024-PGJ)
Art. 5.º Se houver dúvidas quanto à regularidade do pedido, poderão ser adotadas as providências previstas na Recomendação n. 02/2015-PGJ[7], encaminhando-se a informação ao Grupo de Autuação Especial de Combate ao Crime Organizado - GAECO-Saúde, mediante e-mail (gaecosaude@mprs.mp.br).
Art. 5.º Constatada a reiteração de processos e/ou procedimentos que demandem pedidos similares em ações de saúde, que se comunique ao órgão do Ministério Público com atribuição para atuação coletiva extrajudicial, para adotar as providências cabíveis; e, sendo o caso, que se envie para o Núcleo Estadual de Organização e Transparência nas Listas de Espera do SUS e Aperfeiçoamento da Regulação em Saúde (NETSUS), nos termos do Provimento n. 58/2019-PGJ. (Redação conferida pela Recomendação n. 4/2024-PGJ)
Art. 6.° Constatada a reiteração de processos e/ou procedimentos que demandem pedidos similares em ações de saúde, que se comunique ao órgão do Ministério Público com atribuição para atuação coletiva extrajudicial, para adotar as providências cabíveis; e, sendo o caso, que se envie para o Núcleo Estadual de Organização e Transparência nas Listas de Espera do SUS e Aperfeiçoamento da Regulação em Saúde (NETSUS), nos termos do Provimento n. 58/2019-PGJ[8].
Art. 7.º Esta recomendação entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 8.º Revoga-se a Recomendação n. 03/2021-PGJ.
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1 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Tema 793. Emb. Decl. No Recurso Extraordinário 855178 Sergipe. Relator(a): Luiz Fux, Relator(a) p/ Acórdão: Edson Fachin, Tribunal Pleno, julgado em 23/05/2019, Divulgação: 15-04-2020. Publicação 16-04-2020.
2 Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/assistencia-farmaceutica-no-sus/rename.
3 Disponível em:
https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/protocolos-clinicos-e-diretrizes-terapeuticas-pcdt.
4 Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/decreto/d7508.htm
5 Segundo a lei orgânica do SUS, é o Ministério da Saúde, ouvida a CONITEC (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS) que detém competência para a incorporação, exclusão ou alteração de novos medicamentos, produtos, procedimentos, bem como constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica (art. 19-Q, Lei 8.080/90). À fl. 38 do Tema 793 – STF.
6 Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/relacao_nacional_acoes_saude.pdf
7 Disponível em: https://www.mprs.mp.br/legislacao/recomendacoes/8896/
8 Provimento nº 58/2019 – PGJ, institui o Núcleo Estadual da Organização e Transparência nas Listas de Espera do SUS e Aperfeiçoamento da Regulação em Saúde – NETSUS no âmbito do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível em: https://www.mprs.mp.br/legislacao/provimentos/13471/
PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA, em Porto Alegre, 15 de dezembro de 2021.
MARCELO LEMOS DORNELLES,
Procurador-Geral de Justiça.
Registre-se e publique-se.
Luciano de Faria Brasil,
Promotor de Justiça,
Chefe de Gabinete.
DEMP: 17/12/2021.