Provimento nº 17/99 da CGJ/RS
Institui o Projeto "More Legal 2"
O Excelentíssimo Desembargador ARISTIDES PEDROSO DE ALBUQUERQUE NETO, Digníssimo Corregedor-Geral da Justiça, no exercício de suas atribuições legais,
CONSIDERANDO que a integridade das normas de legislação ordinária sobre aquisição, perda e função da propriedade imóvel devem ser vistas para preservação da unidade interna e coerência do sistema jurídico, sob o prisma dos objetivos constitucionais;
CONSIDERANDO que a inviolabilidade do direito à propriedade merece ser dimensionada em harmonia com o princípio, também constitucional, de sua função social;
CONSIDERANDO que a construção de um Estado Democrático de Direito, em que a plenitude do exercício da cidadania, com o resguardo dos valores mínimos da dignidade humana, avulta com um de seus autênticos objetivos fundamentais;
CONSIDERANDO que a moderna função do Direito não se delimita à clássica solução conceitual de conflitos de interesses e de geração de segurança jurídica, mas em criar condições para a valorização da cidadania e em promover a justiça social;
CONSIDERANDO que um dos objetivos das regras legais, regulamentadoras do solo urbano, sempre visou a proteção jurídica dos adquirentes de imóveis, especialmente quando integrantes de loteamentos ou parcelamentos assemelhados;
CONSIDERANDO que a carta maior, ao consagrar o direito de propriedade, não estabeleceu limitações outras, assegurando ao cidadão não apenas o acesso e a posse, mas a decorrente e imprescindível titulação, porque só com a implementação deste requisito torna-se possível seu pleno exercício;
CONSIDERANDO que os fracionamentos, mesmo quando não planejados ou autorizados administrativamente de forma expressa, geram, em muitas hipóteses, situações fáticas consolidadas e irreversíveis, adquirindo as unidades desmembradas autonomia jurídica e destinação social compatível, com evidente repercussão na ordem jurídica;
CONSIDERANDO que eventual anomalia no registro pode ser alvo de ação própria objetivando sua anulação em processo contencioso (art. 216 da Lei Nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 – Lei dos Registros Públicos);
CONSIDERANDO o peculiar interesse dos municípios gaúchos em regularizar a ocupação de áreas situadas em seu perímetro urbano ou periferia, sem violação ao meio-ambiente, para provê-las de infraestrutura necessária a uma vida digna;
CONSIDERANDO a motivação inserida na mensagem "Juiz, Tutor da Cidadania", desta Corregedoria, publicada no Diário da Justiça do dia 10 de agosto de 1995;
CONSIDERANDO seja imprescindível assegurar a participação do Ministério Público, como instituição em si essencial e defensora constitucional dos interesses sociais, garantindo-se, com a efetividade de sua participação, a solução para grande número de situações existentes, inatingível sem ela;
CONSIDERANDO o empenho de Notário e Registradores de Imóveis, demonstrado pelos respectivos colégios, para que, com segurança jurídica, possam ser alcançadas as soluções exigíveis;
CONSIDERANDO a edição da Lei Federal Nº 9.785, de 29 de janeiro de 1999, que alterou o Decreto-Lei Nº 3.365/41 e as Leis Nºs. 6.015/73(Lei dos Registros Públicos) e 6.766/79(Lei do Parcelamento do Solo Urbano);
CONSIDERANDO que o art. 53, da Lei Nº 9.785/99, expressou ser do interesse público os parcelamentos do solo, bem assim suas regularizações, vedando exigências outras que não a documentação mínima necessária ao registro;
CONSIDERANDO a instituição de comissão revisora do Projeto "More Legal I", formada pelo Poder Judiciário, Ministério Público e Colégio Registral do RGS,
RESOLVE PROVER:
TÍTULO I
Das Disposições Gerais
Art. 1º. A regularização e registro de loteamento, desmembramento ou fracionamento de imóveis urbanos ou urbanizados, nos casos especificados, obedecerá ao disposto neste Provimento.
Parágrafo Único - Ficam excluídas as áreas de risco ambiental, áreas indígenas, de preservação natural e outros casos previstos em lei.
TÍTULO II
Da Regularização do Parcelamento
Art. 2º. Nas comarcas do Estado do Rio Grande do Sul, inclusive na capital, em situações consolidadas, poderá a autoridade judiciária competente autorizar ou determinar o registro acompanhado dos seguintes documentos:
I - título de propriedade do imóvel; ou, nas hipóteses dos §§ 3º e 4º, apenas a certidão da matrícula;
II - certidão negativa de ação real ou reipersecutória referente ao imóvel, expedida pelo ofício do Registro de Imóveis;
III - certidão de ônus reais relativos ao imóvel;
IV - planta do imóvel e respectiva descrição, emitidas ou aprovadas pela Prefeitura Municipal.
Parágrafo Primeiro - Considera-se situação consolidada aquela em que o prazo de ocupação da área, a natureza das edificações existentes, a localização das vias de circulação ou comunicação, os equipamentos públicos disponíveis, urbanos ou comunitários, dentre outras situações peculiares, indique a irreversibilidade da posse titulada que induza ao domínio.
Parágrafo Segundo - Na aferição da situação jurídica consolidada, valorizar-se-ão quaisquer documentos provenientes do Poder Público, em especial do Município.
Parágrafo Terceiro - O título de propriedade será dispensado quando se tratar de parcelamento popular, destinado às classes de menor renda, em imóvel declarado de utilidade pública, com processo de desapropriação judicial em curso e imissão provisória na posse, desde que promovido pela União, Estados, Distrito Federal, Municípios ou suas entidades delegadas, autorizadas por lei a implantar projetos de habitação.
Parágrafo Quarto - No caso de que trata o Parágrafo Terceiro, o pedido de registro do parcelamento, além do documento mencionado no art. 18, inciso V, da Lei Nº 6.766/79, será instruído com cópias autênticas da decisão que tenha concedido a imissão provisória na posse, do decreto de desapropriação, do comprovante de sua publicação na imprensa oficial e, quando formulado por entidades delegadas, da Lei de criação e de seus atos constitutivos.
Parágrafo Quinto - Nas regularizações coletivas, poderá ser determinada a apresentação de memorial descritivo elaborado pela Prefeitura Municipal, ou por ela aprovado, abrangendo a divisão da totalidade da área ou a subdivisão de apenas uma ou mais quadras.
Art. 3º. Tratando-se de imóvel público ou submetido à intervenção do Poder Público, integrante da Área Especial de Interesse Social, poderá a autoridade judiciária competente autorizar ou determinar o registro acompanhado dos documentos indicados no artigo anterior.
Parágrafo Único - Na comarca de Porto Alegre, observar-se-á o disposto no art. 49, da Lei Complementar Municipal Nº 338, de 12 de janeiro de 1995.
Art. 4º. Nos casos de regularização pelo Poder Público, conforme autorizado pelo art. 40 da Lei Nº 6.766/79, poderá o Juiz competente autorizar ou determinar o registro nas mesmas condições, sem prejuízo de adoção de outras medidas, cíveis, criminais ou administrativas, contra o loteador faltoso.
Parágrafo primeiro – Através de requerimento fundamentado e com parecer favorável do Ministério Público, poderá, ainda, o Juiz competente conceder alvará de autorização para Prefeitura Municipal firmar contratos de alienação de imóveis pendentes e promover a venda dos lotes remanescentes, revertendo a quantia apurada em benefício da municipalidade para ressarcimento das despesas decorrentes da regularização.
Parágrafo segundo – O requerimento que trata o parágrafo anterior, deverá ser instruído com documentos, públicos ou privados, e apresentação do respectivo laudo de avaliação dos lotes, firmado por profissional habilitado, sendo facultada, ainda, a comprovação das despesas, através da prova testemunhal.
Parágrafo terceiro – Havendo dúvida sobre os valores gastos pela municipalidade na regularização e avaliação dos lotes, o Juiz competente poderá, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, determinar a realização das diligências ou perícias que entender cabíveis.
Art. 5º. Nas hipóteses de regularização previstas no presente Título, a autoridade judiciária poderá permitir o registro, embora não atendidos os requisitos urbanísticos previstos na Lei Nº 6.766/79 ou em outros diplomas legais.
TÍTULO III
Do Registro dos Contratos
Art. 6º. Registrado ou averbado o parcelamento (loteamento, desdobramento, fracionamento ou desdobre) do solo urbano, os adquirentes de lotes de terreno poderão requerer o registro dos seus contratos, padronizados ou não, apresentando o respectivo instrumento junto ao ofício do Registro de Imóveis.
Parágrafo Primeiro - O registro poderá ser obtido diante da comprovação idônea da existência do contrato, nos termos do art. 27, parágrafos 1º e 2º, da Lei 6.766/79.
Parágrafo Segundo - Os requisitos de qualificação das partes necessários ao registro, caso inexistentes, serão comprovados através da apresentação de cópia autenticada de documento pessoal de identificação, ou dos cogitados na Lei Nº 9.049, de 18 de maio de 1995, ou, ainda, de cópia de certidão de casamento ou equivalente.
Parágrafo Terceiro - Admite-se, nos parcelamentos populares, a cessão da posse em que estiverem provisoriamente imitidas a União, Estados, Distrito Federal, Municípios e suas entidades delegadas, o que poderá ocorrer por instrumento particular, ao qual se atribui, para todos os fins de direito, caráter de escritura pública, não se aplicando a disposição do inciso II do art. 134 do Código Civil.
Parágrafo Quarto - A cessão da posse referida no Parágrafo Terceiro, cumpridas as obrigações do cessionário, constitui crédito contra o expropriante, de aceitação obrigatória em garantia de contratos de financiamentos habitacionais.
Parágrafo Quinto - Com o registro da sentença que, em processo de desapropriação, fixar o valor da indenização, a posse referida no Parágrafo Terceiro converter-se-á em propriedade e a sua cessão, em compromisso de compra e venda ou venda e compra, conforme haja obrigações a cumprir ou estejam elas cumpridas, circunstância que, demonstradas ao Registro de Imóveis, serão averbadas na matrícula relativa ao lote.
Parágrafo Sexto - Os compromissos de compra e venda, as cessões e as promessas de cessão valerão como título para o registro da propriedade do lote adquirido, quando acompanhadas da respectiva prova de quitação.
TÍTULO IV
Da Localização de Áreas em Condomínio
Art. 7º. Em imóveis situados nos perímetros urbanos, assim como nos locais urbanizados, ainda que situados na zona rural, em cujos assentos conste estado de comunhão, mas que, na realidade, se apresentam individualizados e em situação jurídica consolidada, nos termos do art. 2º, parágrafo primeiro, deste Provimento, o Juiz poderá autorizar ou determinar a averbação da identificação de uma ou de cada um das frações, observado o seguinte:
I - anuência dos confrontantes da fração do imóvel que se quer localizar, expressa em instrumento público ou particular, neste caso com as assinaturas reconhecidas;
II - a identificação da fração de acordo com o disposto nos arts. 176, inciso II, n.º 3, e 225 da Lei Nº 6.015/73, através de certidão atualizada expedida pelo Poder Público Municipal.
Art. 8º. Procedido ao registro previsto pelos arts. 2º e 3º e a averbação regulada pelo art. 7º deste Provimento, o Oficial do Registro de Imóveis abrirá matrícula própria, se o imóvel ainda não a tiver.
TÍTULO V
Do Procedimento
Art. 9º. O pedido de regularização do lote individualizado, de quarteirão ou da totalidade da área será apresentado perante o juízo competente que, autuado e registrado, ouvirá, no prazo de 10(dez) dias, o Oficial do Registro de Imóveis.
Parágrafo Primeiro - Em seguida, os autos serão remetidos ao Ministério Público para manifestação.
Parágrafo Segundo - Após, os autos serão conclusos ao Juiz de Direito que decidirá de plano, podendo, se assim entender, suspender o julgamento e determinar publicação de edital para ciência de terceiros.
Parágrafo Terceiro - Será competente, em Porto Alegre, a Vara dos Registros Públicos e, no interior, a Vara da Direção do Foro.
Parágrafo Quarto - O procedimento será regido pelas normas que regulam a jurisdição voluntária, aplicando-se, no que couber, a Lei Nº 6.015/73, atendendo-se ao critério de conveniência ou oportunidade.
Art. 10. No caso da área parcelada não coincidir com a descrição constante do registro imobiliário, o Juiz determinará a retificação da descrição do imóvel com base na respectiva planta e no memorial descritivo.
Art. 11. Os lindeiros particulares, que não tenham anuído, poderão ser cientificados por carta com aviso de recebimento, enquanto que a União, o Estado ou o Município serão citados na pessoa de seus representantes com prazo de 10(dez) dias, quando for o caso.
Art. 12. O registro e respectiva matrícula, se for o caso, poderão ser canceladas em processo contencioso, por iniciativa de terceiro prejudicado ou do Ministério Público, nos casos previstos em lei, em especial nas hipótese do art. 216 da Lei Nº 6.015/73.
Parágrafo Único - Se o Juiz constatar que a abertura de matrícula ou algum ato autorizado por ele nos termos deste Provimento sejam nulos ou anuláveis, determinará, fundamentadamente e de ofício, o respectivo cancelamento, ou alcançará elementos ao órgão do Ministério Público para as providências cabíveis.
TÍTULO VI
Das Ações de Usucapião
Art. 13. Na eventual impossibilidade de regularização e registro de loteamento, desmembramento ou fracionamento de imóveis urbanos ou urbanizados, com fundamento no presente Provimento, recomenda-se o ajuizamento de ações de usucapião, individual ou coletivo, observando-se, conforme o caso, o disposto no art. 46 do Código de Processo Civil.
Parágrafo Único - As certidões necessárias à instrução do processo de usucapião, sendo o autor beneficiário da assistência judiciária, poderão ser requisitadas pelo Juiz gratuitamente.
Art. 14. No usucapião coletivo, o Juiz poderá dispensar, na publicação dos editais, a individualização pormenorizada dos lotes, bastando a descrição mínima necessária para indentificá-los, com referência ao memorial descritivo que deverá acompanhar a inicial.
Parágrafo Único – A descrição individual dos lotes, conforme o número de requerentes, poderá ser publicada no átrio do Foro local, constando nos editais o procedimento adotado.
TÍTULO VII
Das Disposições Finais
Art. 15. Havendo impugnação ao pedido de regularização e registro, em qualquer fase do procedimento, deverá a autoridade judiciária competente remeter os interessados às vias ordinárias.
Parágrafo Único - Entendendo o Juiz de Direito que a impugnação é manifestamente inadmissível ou improcedente, poderá rejeitá-la de plano, julgando imediatamente o pedido inicial.
Art. 16. Ao receber documentos para registro em sua serventia, cujo conteúdo contenha indícios ou evidências de loteamento irregular, o Registrador deverá noticiar o fato imediatamente ao representante do Ministério Público local.
Art. 17. Este Provimento será expedido pela Corregedoria-Geral da Justiça e Procuradoria-Geral de Justiça, entrando em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
Porto Alegre, 11 de outubro de 1999.
Des. ARISTIDES PEDROSO DE ALBUQUERQUE NETO
Corregedor-Geral da Justiça