PROVIMENTO N. 07/2022 - PGJ
Institui e regulamenta o Acordo de Não Persecução Disciplinar (ANPD) no âmbito do regime disciplinar dos servidores do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, e dá outras providências.
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA, MARCELO LEMOS DORNELLES, na forma do artigo 25, inciso XVI, alínea “b”, da Lei Estadual n. 7.669, de 17 de junho de 1982, e dos artigos 198, 199 e 200 da Lei Complementar Estadual n. 10.098, de 03 de fevereiro de 1994, no uso de suas atribuições legais, e
CONSIDERANDO que compete ao Procurador-Geral de Justiça determinar a instauração de sindicância ou processo administrativo para apurar as faltas funcionais dos servidores do Ministério Público;
CONSIDERANDO o princípio da solução pacífica dos conflitos, extraído do preâmbulo e do artigo 4.º, inciso VII, da Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988;
CONSIDERANDO a necessidade de consagração de instrumentos, métodos e técnicas de gestão dos poderes públicos que materializem a “tutela adequada”, conforme indicam os princípios constitucionais da Administração Pública;
CONSIDERANDO o disposto no artigo 3.º, § 2.º, do Código de Processo Civil, de 16 de março de 2015, que determina ao Estado a promoção da solução consensual dos conflitos, sempre que possível;
CONSIDERANDO a entrada em vigor, em 29 de janeiro de 2020, da Lei Federal n. 13.964, de 24 de dezembro de 2019, que instituiu, no artigo 28-A do Código de Processo Penal, a possibilidade negocial de conflitos criminais por meio de Acordo de Não Persecução Penal;
CONSIDERANDO a Política Nacional de Incentivo à Autocomposição no âmbito do Ministério Público, instituída pelo artigo 1.º da Resolução CNMP n. 118, de 1.º de dezembro de 2014, cujo objetivo é assegurar a promoção da justiça e a máxima efetividade dos direitos e dos interesses que envolvem a atuação da Instituição, por meio da implementação e da adoção de mecanismos de autocomposição, como a negociação, a mediação, a conciliação, o processo restaurativo e as convenções processuais;
CONSIDERANDO a possibilidade de que a implementação, nos termos do artigo 2.º da Resolução CNMP n. 118, de 1.º de dezembro de 2014, da Política Nacional de Incentivo à Autocomposição contribua, no âmbito interno, para a promoção da boa qualidade dos serviços, para a disseminação da cultura de pacificação, para a redução da litigiosidade e para o estímulo às soluções consensuais;
CONSIDERANDO a possibilidade negocial de solução de conflitos criminais por meio de acordo de não persecução penal (Resolução CNMP n. 181, de 07 de agosto de 2017), com sinalização para a disponibilidade regrada da pretensão punitiva estatal, inclusive na esfera mais grave de responsabilização;
CONSIDERANDO a Lei Federal n. 13.140, de 26 de junho de 2015, que dispõe sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da Administração Pública;
CONSIDERANDO que a Lei Federal n. 13.964, de 24 de dezembro de 2019, alterou o §1.º do artigo 17 da Lei Federal n. 8.429, de 02 de junho de 1992, passando a prever, expressamente, o Acordo de Não Persecução Cível nos casos de improbidade administrativa;
CONSIDERANDO a regulamentação, no âmbito do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, do Acordo de Não Persecução Cível, conforme Provimento n. 16 /2021-PGJ;
CONSIDERANDO as diretrizes da Carta de Brasília, em sessão pública ocorrida em 22 de setembro de 2016, no 7.º Congresso de Gestão do Conselho Nacional do Ministério Público, primando pela modernização do controle da atividade extrajurisdicional pelas Corregedorias do Ministério Público, em especial a utilização de mecanismos de resolução consensual, como a negociação, a mediação, a conciliação, as práticas restaurativas, as convenções processuais, os acordos de resultado, assim como outros métodos e mecanismos eficazes na resolução de conflitos, controvérsias e problemas;
CONSIDERANDO a entrada em vigor do Provimento n. 51/2021-PGJ, que instituiu o Acordo de Não Persecução Disciplinar (ANPD) e o regulamentou no âmbito das atribuições da Corregedoria-Geral do Ministério Público e das normas disciplinares dos membros do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul;
CONSIDERANDO que as faltas disciplinares que possam ser adequada e suficientemente apenadas com a sanção de repreensão, na forma do inciso I do artigo 187 e do artigo 188, ambos da Lei Complementar Estadual n° 10.098/94, são infrações administrativas de menor gravidade;
CONSIDERANDO a possibilidade de aplicação subsidiária das normas de direito processual penal ao processo administrativo disciplinar em sentido amplo;
CONSIDERANDO , por fim, a exigência de soluções alternativas que proporcionem celeridade na resolução dos casos disciplinares menos graves, na hipótese da prática de infrações disciplinares de menor gravidade, priorização dos recursos financeiros e humanos do Ministério Público para processamento e julgamento das infrações disciplinares de maior gravidade, que impactam decisivamente o prestígio institucional e a correta prestação do serviço aos cidadãos, além da necessidade de minoração dos efeitos deletérios de uma penalidade administrativa nos assentamentos funcionais, causando, às vezes, desestímulo em vez de realinhamento aos valores e à missão institucionais,
RESOLVE:
Capítulo I
Do Acordo de Não Persecução Disciplinar
Art. 1.º Fica instituído, no âmbito do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, o Acordo de Não Persecução Disciplinar, com a sigla ANPD, destinado a evitar a instauração de processo administrativo disciplinar em sentido amplo para apurar as faltas funcionais dos servidores do Ministério Público, por meio da resolução consensual de conflitos, controvérsias e problemas na esfera disciplinar.
Parágrafo único. Este Provimento regulamenta o Acordo de Não Persecução Disciplinar no âmbito do regime disciplinar dos servidores do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, por adequação supletiva e analógica e por aplicação subsidiária, no que couber, do artigo 28-A do Código de Processo Penal.
Art. 2.º O Acordo de Não Persecução Disciplinar poderá ser adotado após a autoridade competente tomar ciência da irregularidade no serviço público ou da prática de infração funcional no âmbito do Ministério Público, ou, ainda, após a realização de averiguação ou apuração, desde que não seja o caso de arquivamento da notícia ou de mera advertência particular e verbal ao servidor, nos termos do art. 187, § 2º, Lei Complementar Estadual n. 10.098/94.
Art. 3.º O Acordo de Não Persecução Disciplinar poderá ser adotado estritamente nas hipóteses de faltas disciplinares que possam ser adequada e suficientemente apenadas com a sanção de repreensão, na forma do artigo 187, inciso I, e do artigo 188, ambos da Lei Complementar Estadual n. 10.098/94.
Art. 4.º São requisitos gerais para a adoção do Acordo de Não Persecução Disciplinar:
I – comprovação da existência do fato que possa ser imputado ao servidor;
II – histórico funcional do servidor indicativo da suficiência e da adequação da medida em atenção à falta disciplinar praticada;
III – discricionariedade da autoridade competente do Ministério Público para o oferecimento do benefício, em decisão motivada sobre a necessidade e suficiência da medida para a reprovação e prevenção da falta disciplinar praticada, observando-se as seguintes diretrizes:
a) recomposição da ordem jurídico-administrativa, inclusive com a reparação de danos e a recuperação dos custos administrativos do controle interno;
b) sensibilização do servidor do Ministério Público para o eficiente desempenho de suas atribuições, inclusive mediante recomendações e/ou orientações;
c) aperfeiçoamento do serviço público;
d) prevenção de novas infrações disciplinares administrativas;
e) promoção da cultura da moralidade e da eticidade no serviço público.
Art. 5.º É vedado o Acordo de Não Persecução Disciplinar nas seguintes hipóteses:
I – existência de processo administrativo disciplinar em sentido amplo em curso contra o servidor do Ministério Público, de qualquer uma das espécies previstas no Título V da Lei Complementar Estadual n. 10.098/94;
II – existência de Acordo de Não Persecução Disciplinar celebrado em favor do servidor do Ministério Público nos últimos 3 (três) anos, contados da data da sua homologação pelo Subprocurador-Geral de Justiça para Assuntos Administrativos;
III – existência de sanção disciplinar aplicada definitivamente em desfavor do servidor do Ministério Público nos últimos 3 (três) anos, contados da data da sua aplicação pelo Subprocurador-Geral de Justiça para Assuntos Administrativos ou, em caso de recurso, da decisão deste pelo Procurador-Geral de Justiça.
Parágrafo único. Também é vedado o Acordo de Não Persecução Disciplinar nas hipóteses de concurso com as faltas disciplinares que devam ser apenadas com as sanções de multa, suspensão, demissão, cassação de disponibilidade, cassação de aposentadoria e destituição de cargo em comissão ou de função gratificada ou equivalente, na forma do artigo 187, incisos II, III, IV, V, VI e VII, da Lei Complementar Estadual n. 10.098/94.
Capítulo II
Da Possibilidade de Acordo de Não Persecução Disciplinar
Art. 6.º Vislumbrando a possibilidade de propor o Acordo de Não Persecução Disciplinar, a autoridade competente notificará o servidor para apresentar manifestação, querendo, sobre os fatos investigados e o seu interesse na celebração do referido Acordo, no prazo de 3 (três) dias úteis, dando-lhe vista dos respectivos autos.
Art. 7.º Escoado o prazo previsto no artigo anterior, com ou sem a manifestação do servidor, os respectivos autos serão conclusos à autoridade competente, que, à vista das provas coletadas e das eventuais alegações defensivas, poderá:
I – complementar a averiguação ou apuração, para os seguintes fins:
a) realizar diligências que entender imprescindíveis ou úteis para dirimir dúvida sobre ponto relevante ou esclarecer fato que interesse à solução da causa;
b) sanar qualquer nulidade;
c) atender requerimento do servidor para a produção de prova cuja necessidade se origine de circunstâncias ou fatos averiguados ou apurados.
II – remeter os autos do expediente ao Subprocurador-Geral de Justiça para Assuntos Administrativos, entendendo não ser o caso de propor o Acordo de Não Persecução Disciplinar;
III – propor ao Subprocurador-Geral de Justiça para Assuntos Administrativos a realização de audiência, de ofício ou em razão de provocação do servidor, em decisão motivada, com o objetivo de apresentação ao servidor do Ministério Público de proposta de Acordo de Não Persecução Disciplinar, tendo, como condição para a oferta, a presença dos seguintes requisitos específicos:
a) confissão formal e circunstanciada do servidor quanto à existência e prática da falta disciplinar imputada;
b) configuração, em tese, de hipótese passível de aplicação da pena disciplinar de repreensão, na forma do artigo 187, inciso I, e do artigo 188, ambos da Lei Complementar Estadual n. 10.098/94;
c) serem favoráveis ao servidor os seus antecedentes, a natureza e a quantidade das infrações, as circunstâncias em que foram praticadas e os danos que delas resultaram ao serviço ou à dignidade do Ministério Público ou da Justiça;
d) necessidade da concreta implementação pelo servidor de medidas efetivas de regularização ou adequação do serviço ministerial, bem como de compensação ou reparação do prejuízo causado.
Capítulo III
Da Celebração do Acordo de Não Persecução Disciplinar
Art. 8.º Na hipótese do inciso III do artigo 7.º deste Provimento, os respectivos autos serão encaminhados ao Subprocurador-Geral de Justiça para Assuntos Administrativos, que:
I – acolhendo a manifestação da autoridade competente, autorizará a designação de dia e hora para a realização da audiência;
II – não acolhendo a manifestação da autoridade competente:
a) determinará a instauração do respectivo processo administrativo disciplinar em sentido amplo para a apuração das irregularidades ou infrações funcionais; ou
b) devolverá os autos para os fins do inciso I do artigo 7.º deste Provimento; ou
c) devolverá os autos para que se promova o arquivamento do expediente.
Art. 9.º Na audiência de oferecimento de proposta de Acordo de Não Persecução Disciplinar, a autoridade competente, na presença do servidor e de seu defensor, verificando estarem presentes os requisitos gerais, específicos, objetivos e subjetivos, proporá ao servidor o Acordo de Não Persecução Disciplinar.
Parágrafo único. Em não sendo aceito pelo servidor o acordo, serão reduzidas a termo, de modo objetivo, as ocorrências e decisões tomadas na ocasião, sendo, posteriormente, adotadas as medidas preconizadas pela Lei Complementar Estadual n. 10.098/94 no que concerne ao regime disciplinar dos servidores públicos.
Art. 10. Na hipótese de aceitação do acordo pelo servidor, será lavrado “Termo de Acordo de Não Persecução Disciplinar”, devidamente assinado pela autoridade competente, pelo servidor e por seu defensor, devendo nele constar:
I – a descrição do fato que, em tese, configura hipótese passível de aplicação da penalidade disciplinar de repreensão, com a respectiva indicação do tipo administrativodisciplinar previsto na Lei Complementar Estadual n. 10.098/94;
II – a aquiescência do servidor quanto à existência e prática do fato imputado e a indicação da confissão nos autos do expediente;
III – a descrição das obrigações a serem cumpridas pelo servidor para a regularização ou adequação do serviço ministerial, bem como para a compensação ou reparação do prejuízo causado;
IV – o prazo e o modo de cumprimento e de fiscalização das obrigações assumidas pelo servidor;
V – a aceitação do servidor de todos os termos do acordo.
Parágrafo único. As obrigações a serem cumpridas pelo servidor para a regularização ou adequação do serviço ministerial e para a compensação ou reparação do prejuízo causado observarão, quando possível, as atribuições do cargo por ele ocupado, podendo consistir, de forma isolada ou cumulada, na:
I – reparação pecuniária do dano causado ou restituição do bem ao Ministério Público;
II - renúncia voluntária a bens e direitos indicados pela autoridade competente como instrumentos, produto ou proveito da infração disciplinar;
III - frequência a cursos de formação ou aperfeiçoamento, organizados pelo Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (CEAF) ou custeados pelo servidor, cuja temática guarde, quando possível, pertinência com a falta disciplinar em tese apurada;
IV – correção, em prazo exíguo, certo e específico, da irregularidade apontada na investigação disciplinar;
V – adesão do servidor a projetos institucionais;
VI – utilização pelo servidor de ferramentas de apoio ao serviço, disponíveis no Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul e em outros órgãos públicos ou privados;
VII – prestação pecuniária destinada ao Fundo para Reconstituição de Bens Lesados (FRBL) do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul;
VIII – obrigação de permanecer na unidade em que está lotado durante o período de execução do Acordo de Não Persecução Disciplinar, com a postergação do trânsito em caso de remoção.
Capítulo IV
Da Homologação do Acordo de Não Persecução Disciplinar
Art. 11. Celebrado o acordo, a autoridade competente encaminhará os autos do expediente ao Subprocurador-Geral de Justiça para Assuntos Administrativos, para que este decida quanto à homologação do “Termo de Acordo de Não Persecução Disciplinar”.
Art. 12. No caso de não homologação do Acordo de Não Persecução Disciplinar pelo Subprocurador-Geral de Justiça para Assuntos Administrativos, este indicará eventuais correções necessárias ou procederá na forma do inciso II do artigo 8. º deste Provimento.
Art. 13. Homologado o Acordo de Não Persecução Disciplinar pelo Subprocurador-Geral de Justiça para Assuntos Administrativos, os autos do expediente serão devolvidos à autoridade competente para a execução dos termos do acordo celebrado.
Capítulo V
Da Execução do Acordo de Não Persecução Disciplinar
Art. 14. A autoridade competente deverá notificar o servidor para dar início ao cumprimento dos termos do Acordo de Não Persecução Disciplinar celebrado e homologado, em conformidade com as condições e obrigações assumidas.
Art. 15. No prazo máximo de 90 (noventa) dias, contados da notificação do servidor, a autoridade competente deverá proceder à verificação do cumprimento do Acordo de Não Persecução Disciplinar.
§ 1.º Em caso de cumprimento dos termos do acordo, a autoridade competente apresentará parecer conclusivo, sugerindo ao Subprocurador-Geral de Justiça para Assuntos Administrativos o arquivamento do expediente, em razão da extinção da punibilidade administrativa do servidor.
§ 2.º Em não sendo cumprido o acordo, a autoridade competente remeterá os autos do expediente ao Subprocurador-Geral de Justiça para Assuntos Administrativos, o qual procederá na forma das alíneas “a”, “b” ou “c” do inciso II do artigo 8.º deste Provimento.
Capítulo VI
Das Disposições Gerais, Transitórias e Finais
Art. 16. O oferecimento do Acordo de Não Persecução Disciplinar não aceito pelo servidor do Ministério Público não vincula nem restringe a penalidade a ser aplicada ao final do processo administrativo disciplinar em sentido amplo instaurado para a persecução da falta disciplinar.
Art. 17. É irrecorrível a decisão do Subprocurador-Geral de Justiça para Assuntos Administrativos que entender não ser cabível o Acordo de Não Persecução Disciplinar ou que não homologá-lo.
Art. 18. A celebração e o cumprimento pelo servidor do Acordo de Não Persecução Disciplinar constarão nos seus assentamentos funcionais do Ministério Público apenas para o fim do inciso II do artigo 5.º deste Provimento e pelo período necessário a sua observância, cabendo à Subprocuradoria-Geral de Justiça para Assuntos Administrativos o respectivo registro.
Art. 19. O Acordo de Não Persecução Disciplinar não se aplica aos casos em que já instaurado processo administrativo disciplinar em sentido amplo, de qualquer uma das espécies previstas no Título V da Lei Complementar Estadual n. 10.098/94.
Art. 20. Os casos omissos serão resolvidos pelo Subprocurador-Geral de Justiça para Assuntos Administrativos.
Art. 21. Este Provimento entrará em vigor no primeiro dia útil seguinte à data de sua disponibilização no Diário Eletrônico do Ministério Público.
Art. 22. Revogam-se as disposições anteriores em contrário.
Porto Alegre, 02 de março de 2022.
MARCELO LEMOS DORNELLES,
Procurador-Geral de Justiça.
Registre-se e publique-se.
Luciano de Faria Brasil,
Promotor de Justiça,
Chefe de Gabinete.
DEMP: 02/03/2022.